São Paulo, domingo, 21 de novembro de 2010

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Papa admite camisinha em "alguns" casos

Santa Sé surpreende ao divulgar trecho de livro ainda inédito no qual Bento 16 flexibiliza veto a preservativo

Em entrevista, pontífice diz que uso se justifica para prostitutas, porém reitera rejeição a adoção como método anti-HIV

GABRIELA LONGMAN
DE SÃO PAULO

O papa Bento 16 admitiu que, "em alguns casos singulares", o uso da camisinha "pode ser justificado", indicando uma possível mudança na postura da igreja sobre o assunto. Ele citou como exemplo o uso de preservativos na prostituição.
As declarações estão no livro "Luz do Mundo: O Papa, a Igreja e os Sinais do Tempo", que compila um mês de conversas do pontífice com o jornalista e escritor alemão Peter Seewald.
Extratos do volume, que será lançado na terça pela Livraria Editora Vaticana, foram antecipados ontem pelo jornal "Observatório Romano", do Vaticano.
Embora alguns líderes da igreja já tenham falado sobre o uso da camisinha em casos específicos, essa é a primeira vez que o papa menciona ele mesmo -e publicamente- essa possibilidade.
"Concentrar-se só sobre a camisinha quer dizer banalizar a sexualidade, e essa banalização representa a razão perigosa pela qual tantas pessoas não veem mais na sexualidade a expressão de seu amor, mas apenas uma espécie de droga."
"Pode haver casos individuais justificados, por exemplo quando uma prostituta utiliza um preservativo. Pode ser esse o primeiro passo em direção a uma moralização."
No livro, porém, Bento 16 também reafirma posicionamentos como o de que a camisinha não serve como pilar no combate à Aids.
"Mas não é esse o modo verdadeiro e próprio para vencer a epidemia do HIV", afirma.
Em 2009, o papa sofreu críticas de organizações internacionais, governos europeus e estudiosos ao afirmar, na África, que preservativos não só não solucionariam a questão como a agravariam.
Uma controvérsia de tradução dá margem a diferentes interpretações da declaração. Nas versões do livro em inglês, francês e alemão, o termo usado é "prostituto". Neste caso, o uso de camisinha não interferiria em controle de natalidade, o que é condenado pela igreja.
Entretanto, o trecho em italiano citado pelo "Observatório" diz "uma prostituta", no feminino.
Até a noite de ontem, a dualidade ainda não havia sido esclarecida.
Maior especialista do Vaticano em bioética e sexualidade, o cardeal dom Elio Sgreccia ressaltou que o uso da camisinha é justificado quando se trata da "única maneira de salvar uma vida".
"Se Bento 16 levantou a questão das exceções, ela precisa ser aceita. Mas a necessidade extrema precisa ser demonstrada."
Para William Portier, teólogo católico da Universidade de Dayton, em Ohio, os comentários não representam necessariamente uma mudança fundamental.

ABUSOS
O livro/entrevista aborda outros temas contundentes da atualidade. Bento 16 voltou a defender o papa Pio 12 -acusado de ter sido leniente com o Holocausto- e comentou a explosão de casos de pedofilia na Igreja.
"Os fatos não me pegaram completamente de surpresa. Na Congregação para a Doutrina da Fé, me ocupei do caso americano e vi a mesma situação surgir na Irlanda. A dimensão é chocante."
"Desde a minha eleição ao papado", continuou, "eu me encontrei com vítimas de abusos sexuais. [...] Ver o sacerdócio manchado deste modo foi difícil de suportar". O papa ainda criticou a mídia, que, diz, não agiu "só orientada pela busca da verdade mas também pelo prazer de envergonhar a Igreja".

BURCA
O uso da burca foi outros dos tópicos polêmicos abordados por Bento 16. Segundo ele, os cristãos são tolerantes e não há razão para uma proibição generalizada.
"Algumas mulheres não a portam voluntariamente, trata se uma violência imposta e é claro que com isso não se pode estar de acordo. Se, porém, elas quiserem endossar o costume voluntariamente, não vejo por que impedir."
Bento 16 declarou ainda que estaria pronto para renunciar, caso não tivesse mais condições "físicas, psicológicas e espirituais" de administrar os deveres de seu ofício.

Colaborou ANASTASIA CAMPANERUT


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