|
Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
Papa admite camisinha em "alguns" casos
Santa Sé surpreende ao divulgar trecho de livro ainda inédito no qual Bento 16 flexibiliza veto a preservativo
Em entrevista, pontífice diz que uso se justifica para prostitutas, porém reitera rejeição a adoção como método anti-HIV
GABRIELA LONGMAN
DE SÃO PAULO
O papa Bento 16 admitiu
que, "em alguns casos singulares", o uso da camisinha
"pode ser justificado", indicando uma possível mudança na postura da igreja sobre
o assunto. Ele citou como
exemplo o uso de preservativos na prostituição.
As declarações estão no livro "Luz do Mundo: O Papa,
a Igreja e os Sinais do Tempo", que compila um mês de
conversas do pontífice com o
jornalista e escritor alemão
Peter Seewald.
Extratos do volume, que
será lançado na terça pela Livraria Editora Vaticana, foram antecipados ontem pelo
jornal "Observatório Romano", do Vaticano.
Embora alguns líderes da
igreja já tenham falado sobre
o uso da camisinha em casos
específicos, essa é a primeira
vez que o papa menciona ele
mesmo -e publicamente-
essa possibilidade.
"Concentrar-se só sobre a
camisinha quer dizer banalizar a sexualidade, e essa banalização representa a razão
perigosa pela qual tantas
pessoas não veem mais na
sexualidade a expressão de
seu amor, mas apenas uma
espécie de droga."
"Pode haver casos individuais justificados, por exemplo quando uma prostituta
utiliza um preservativo. Pode
ser esse o primeiro passo em
direção a uma moralização."
No livro, porém, Bento 16
também reafirma posicionamentos como o de que a camisinha não serve como pilar
no combate à Aids.
"Mas não é esse o modo
verdadeiro e próprio para
vencer a epidemia do HIV",
afirma.
Em 2009, o papa sofreu
críticas de organizações internacionais, governos europeus e estudiosos ao afirmar,
na África, que preservativos
não só não solucionariam a
questão como a agravariam.
Uma controvérsia de tradução dá margem a diferentes interpretações da declaração. Nas versões do livro
em inglês, francês e alemão,
o termo usado é "prostituto".
Neste caso, o uso de camisinha não interferiria em controle de natalidade, o que é
condenado pela igreja.
Entretanto, o trecho em
italiano citado pelo "Observatório" diz "uma prostituta", no feminino.
Até a noite de ontem, a
dualidade ainda não havia
sido esclarecida.
Maior especialista do Vaticano em bioética e sexualidade, o cardeal dom Elio Sgreccia ressaltou que o uso da camisinha é justificado quando
se trata da "única maneira de
salvar uma vida".
"Se Bento 16 levantou a
questão das exceções, ela
precisa ser aceita. Mas a necessidade extrema precisa
ser demonstrada."
Para William Portier, teólogo católico da Universidade de Dayton, em Ohio, os comentários não representam
necessariamente uma mudança fundamental.
ABUSOS
O livro/entrevista aborda
outros temas contundentes
da atualidade. Bento 16 voltou a defender o papa Pio 12
-acusado de ter sido leniente com o Holocausto- e comentou a explosão de casos
de pedofilia na Igreja.
"Os fatos não me pegaram
completamente de surpresa.
Na Congregação para a Doutrina da Fé, me ocupei do caso americano e vi a mesma situação surgir na Irlanda. A
dimensão é chocante."
"Desde a minha eleição ao
papado", continuou, "eu me
encontrei com vítimas de
abusos sexuais. [...] Ver o sacerdócio manchado deste
modo foi difícil de suportar".
O papa ainda criticou a mídia, que, diz, não agiu "só
orientada pela busca da verdade mas também pelo prazer de envergonhar a Igreja".
BURCA
O uso da burca foi outros
dos tópicos polêmicos abordados por Bento 16. Segundo
ele, os cristãos são tolerantes
e não há razão para uma
proibição generalizada.
"Algumas mulheres não a
portam voluntariamente, trata se uma violência imposta e
é claro que com isso não se
pode estar de acordo. Se, porém, elas quiserem endossar
o costume voluntariamente,
não vejo por que impedir."
Bento 16 declarou ainda
que estaria pronto para renunciar, caso não tivesse
mais condições "físicas, psicológicas e espirituais" de
administrar os deveres de
seu ofício.
Colaborou ANASTASIA CAMPANERUT
Próximo Texto: Análise: Igreja já indicava que iria adotar em breve tom menos rigoroso Índice | Comunicar Erros
|