São Paulo, terça-feira, 22 de janeiro de 2008

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Inflação em alta ameaça programas sociais de Morales

Iniciando seu terceiro ano no poder, presidente da Bolívia enfrenta ainda falta de investimentos para reduzir pobreza

Receita com produtos de exportação não faz diminuir desigualdade social; líder culpa empresários por alta de preços internos

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ

O governo da Bolívia festeja os melhores índices macroeconômicos dos últimos 30 anos, mas o presidente Evo Morales começa hoje seu terceiro ano de gestão à sombra da segunda maior inflação do continente -mais de 11% em 2007- e à espera de investimentos.
Os dois fatores, dizem os analistas, podem comprometer o plano do governo esquerdista de reduzir a pobreza (40% da população vive em situação de pobreza extrema), ainda que os principais produtos exportados pela Bolívia, gás e minérios, estejam em alta nos mercados internacionais.
Segundo o economista Gonzalo Chávez, professor da Universidade Católica da Bolívia, a inflação, que pode chegar a 16% em 2008, deve levar embora parte dos ganhos dos principais programas sociais de transferência de renda lançados pelo governo desde 2006.
O primeiro e mais popular é o bônus Juancito Pinto, espécie de bolsa escola que paga anualmente US$ 26,20 a alunos até a sexta série, ao custo anual de US$ 38,4 milhões.
A bolsa é financiada diretamente pela principal fonte de recursos da Bolívia -gás-, cujo aumento de receita com a nacionalização, em 2006, é o maior trunfo do governo Morales (leia texto nesta página).
O segundo é o Renda Dignidade, que passa a vigorar no mês que vem e entregará até US$ 315 anuais a todos os maiores de 60 anos, mas cujo pagamento, também proveniente de um imposto sobre o gás, é o pivô da arrastada crise com governadores oposicionistas.
Em comerciais na TV, o governo atribui a inflação, em parte, à especulação dos empresários do rico departamento de Santa Cruz, que fazem forte oposição a Morales. Os empresários negam e dizem que, além da falta de diesel que afetou a colheita, a tensão política do país inibiu investimentos no setor agrícola.
De todo modo, governo, analistas e agropecuaristas concordam que influiu na alta dos alimentos as enchentes do ano passado. Pior: a temporada de chuvas já voltou a castigar o país nas últimas semanas.
Outro fator é a maior quantidade de dinheiro em circulação, devido ao maior gasto público. Mas, para os analistas, a maior pressão inflacionária em 2008 devem ser as campanhas de sindicatos, sobretudo públicos, por reajustes salariais que compensem a perda de 2007.

Índices positivos e aposta
A Bolívia cresceu 3,8% em 2007, contra 4,6% no primeiro ano de Morales, 2006. O governo projeta crescimento de 5,7% do PIB neste ano.
O país reduziu a dívida externa, de US$ 5 bilhões à metade, parte graças a perdões de organismos como o Banco Mundial. As contas públicas estão no azul e, pelo segundo ano consecutivo, houve superávit primário (em 2007, de 2,2% do PIB).
Ainda assim, em seu discurso hoje no Congresso, o presidente Morales não poderá comemorar a criação maciça de empregos, embora o desemprego tenha caído. "Se o índice de emprego teve essa melhora, deve-se ao fato de que parte da demanda foi buscar trabalho no mercado espanhol", diz o economista Gonzalo Chávez.
Os analistas também apontam o baixo nível de investimento público e privado. No setor de hidrocarbonetos, por exemplo, foi só de US$ 54 milhões até setembro de 2007, segundo dados do Banco Central boliviano. Estimam que só um investimento maior pode fazer com que o crescimento da economia supere a barreira dos 6%, que, segundo os cálculos do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), é quando a taxa terá efeito sobre a redução da pobreza.
A aposta do governo para aumentar o nível de emprego é voltar a criar empresas públicas -La Paz diz implantar um projeto desenvolvimentista, no qual o Estado voltará a controlar até 30% da economia. Nos últimos meses, Morales anunciou a criação de fábricas de papel e papelão, unidades de beneficiamento de leite e vidro.
Os projetos devem sair do papel neste ano, sob críticas. "O governo investe em áreas onde o setor privado está presente, fazendo uma espécie de paralelismo, quando o que precisávamos era mais investimento em infra-estrutura, em estradas. O Estado boliviano não tem dinheiro para as duas coisas", diz o opositor Gabriel Dabdoub, presidente da poderosa Cainco (Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Santa Cruz).


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