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Inflação em alta ameaça programas sociais de Morales
Iniciando seu terceiro ano no poder, presidente da Bolívia enfrenta ainda falta de investimentos para reduzir pobreza
Receita com produtos de exportação não faz diminuir desigualdade social; líder culpa empresários por
alta de preços internos
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ
O governo da Bolívia festeja
os melhores índices macroeconômicos dos últimos 30 anos,
mas o presidente Evo Morales
começa hoje seu terceiro ano
de gestão à sombra da segunda
maior inflação do continente
-mais de 11% em 2007- e à espera de investimentos.
Os dois fatores, dizem os analistas, podem comprometer o
plano do governo esquerdista
de reduzir a pobreza (40% da
população vive em situação de
pobreza extrema), ainda que os
principais produtos exportados pela Bolívia, gás e minérios,
estejam em alta nos mercados
internacionais.
Segundo o economista Gonzalo Chávez, professor da Universidade Católica da Bolívia, a
inflação, que pode chegar a 16%
em 2008, deve levar embora
parte dos ganhos dos principais
programas sociais de transferência de renda lançados pelo
governo desde 2006.
O primeiro e mais popular é o
bônus Juancito Pinto, espécie
de bolsa escola que paga anualmente US$ 26,20 a alunos até a
sexta série, ao custo anual de
US$ 38,4 milhões.
A bolsa é financiada diretamente pela principal fonte de
recursos da Bolívia -gás-, cujo
aumento de receita com a nacionalização, em 2006, é o
maior trunfo do governo Morales (leia texto nesta página).
O segundo é o Renda Dignidade, que passa a vigorar no
mês que vem e entregará até
US$ 315 anuais a todos os maiores de 60 anos, mas cujo pagamento, também proveniente
de um imposto sobre o gás, é o
pivô da arrastada crise com governadores oposicionistas.
Em comerciais na TV, o governo atribui a inflação, em
parte, à especulação dos empresários do rico departamento
de Santa Cruz, que fazem forte
oposição a Morales. Os empresários negam e dizem que, além
da falta de diesel que afetou a
colheita, a tensão política do
país inibiu investimentos no
setor agrícola.
De todo modo, governo, analistas e agropecuaristas concordam que influiu na alta dos alimentos as enchentes do ano
passado. Pior: a temporada de
chuvas já voltou a castigar o
país nas últimas semanas.
Outro fator é a maior quantidade de dinheiro em circulação, devido ao maior gasto público. Mas, para os analistas, a
maior pressão inflacionária em
2008 devem ser as campanhas
de sindicatos, sobretudo públicos, por reajustes salariais que
compensem a perda de 2007.
Índices positivos e aposta
A Bolívia cresceu 3,8% em
2007, contra 4,6% no primeiro
ano de Morales, 2006. O governo projeta crescimento de 5,7%
do PIB neste ano.
O país reduziu a dívida externa, de US$ 5 bilhões à metade,
parte graças a perdões de organismos como o Banco Mundial.
As contas públicas estão no
azul e, pelo segundo ano consecutivo, houve superávit primário (em 2007, de 2,2% do PIB).
Ainda assim, em seu discurso
hoje no Congresso, o presidente Morales não poderá comemorar a criação maciça de empregos, embora o desemprego
tenha caído. "Se o índice de emprego teve essa melhora, deve-se ao fato de que parte da demanda foi buscar trabalho no
mercado espanhol", diz o economista Gonzalo Chávez.
Os analistas também apontam o baixo nível de investimento público e privado. No setor de hidrocarbonetos, por
exemplo, foi só de US$ 54 milhões até setembro de 2007, segundo dados do Banco Central
boliviano. Estimam que só um
investimento maior pode fazer
com que o crescimento da economia supere a barreira dos
6%, que, segundo os cálculos do
Pnud (Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento), é quando a taxa terá efeito
sobre a redução da pobreza.
A aposta do governo para aumentar o nível de emprego é
voltar a criar empresas públicas -La Paz diz implantar um
projeto desenvolvimentista, no
qual o Estado voltará a controlar até 30% da economia. Nos
últimos meses, Morales anunciou a criação de fábricas de papel e papelão, unidades de beneficiamento de leite e vidro.
Os projetos devem sair do papel neste ano, sob críticas. "O
governo investe em áreas onde
o setor privado está presente,
fazendo uma espécie de paralelismo, quando o que precisávamos era mais investimento em
infra-estrutura, em estradas. O
Estado boliviano não tem dinheiro para as duas coisas", diz
o opositor Gabriel Dabdoub,
presidente da poderosa Cainco
(Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Santa Cruz).
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