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SOB NOVA DIREÇÃO / RAÍZES PELO MUNDO
Multicultural, casal recria a imagem da "primeira-família"
Genealogia envolve imigração, mobilidade social e o fim da segregação racial em uma das últimas instituições divididas dos EUA, a família
Há cristãos, muçulmanos, judeus e negros, asiáticos e brancos que falam inglês, indonésio, hebraico, suaíli, luo, francês e chinês no clã
JODI KANTOR
DO "NEW YORK TIMES"
A avó queniana do presidente trouxe de presente um espanador de moscas de cauda de
boi. Primos vieram da cidade da
Carolina do Sul em que o tataravô da primeira-dama nasceu
escravo. E o rabino da família
veio da sinagoga onde celebrara
o Dia de Martin Luther King.
Também estavam presentes
a meia-irmã indonésio-americana de Barack Obama, acompanhada do marido sino-canadense, e o irmão da primeira-dama, negro, e a esposa, branca.
Quando Obama tomou posse
como presidente dos EUA, terça, ele estava cercado por um
clã que teria chocado gerações
americanas e que redesenhou
instantaneamente a imagem
futura de primeira-família.
A família que gerou Obama e
sua mulher, Michelle, é negra,
branca e asiática, cristã, muçulmana e judaica. Seus integrantes falam inglês, indonésio,
francês, cantonês, alemão, hebraico, algumas línguas africanas, incluindo suaíli, luo e igbo,
e até mesmo algumas frases de
gullah, o dialeto crioulo da região da Carolina do Sul conhecida como Lowcountry.
Muito poucos são ricos, e alguns -como Sarah Obama, a
avó que só há pouco passou a
ter luz em seu barraco de telhado de zinco- são bem pobres.
"Nossa família é nova em termos da Casa Branca, mas acho
que não em termos do país",
disse em entrevista na semana
passada a meia-irmã mais nova
do presidente, Maya Soetoro-Ng. "Acho que a Casa Branca
nem sempre refletiu as texturas e os sabores deste país."
Embora filho de um queniano negro, Obama tem algumas
origens presidenciais convencionais do lado da mãe branca:
abolicionistas expulsos do Missouri, um Estado escravista;
habitantes do Meio-Oeste que
passaram pela Grande Depressão e até um punhado de antepassados que lutaram na Guerra da Independência.
Muito menos é sabido sobre
as origens da primeira-dama
-até por ela mesma. Tendo
crescido na zona sul de Chicago, contou seu irmão, Craig Robinson, "era uma espécie de folclore que fulano de tal era parente de sicrano e que seu pai e
sua mãe foram escravos".
Michelle é de fato descendente de escravos e da Grande
Migração, movimento maciço
de afrodescendentes que foram
para o norte do país na primeira metade do século 20 em busca de oportunidades. Há apenas cinco gerações, seu tataravô, Jim Robinson, nasceu escravo numa fazenda em Georgetown, Carolina do Sul, onde
quase certamente drenou pântanos e colheu arroz.
Segundo a genealogista Megan Smolenyak, Michelle tem
antepassados com histórias semelhantes em vários lugares do
sul do país. Fanny Laws
Humphrey, tataravó, foi cozinheira em Birmingham, Alabama, e nasceu antes do fim da
Guerra Civil. Outro casal de tataravós, Mary e Nelson Moten,
parece ter deixado o Kentucky
para radicar-se em Chicago no
início dos anos 1860, o que faz
supor que podem ter sido libertados antes do fim da escravidão. E, no censo de 1910, alguns
ancestrais são citados como
mulatos, o que ampara menções a um antepassado branco.
Paralelos
Apesar das diferenças entre
as famílias Obama e Robinson,
há elementos em comum entre
elas. Um deles é a educação.
Outro é uma espécie de autodeterminação aventureira.
Nas versões conhecidas, o lado Obama é o que dobrou as regras da geografia e da etnicidade. No entanto a família da primeira-dama inclui vários
membros que se aventuraram
para longe. Nomenee Robinson
prestou serviço na Índia por
dois anos; depois, mudou-se
para a Nigéria, onde conheceu a
esposa. O primo Capers Funnye Jr. foi criado na igreja negra,
mas sentiu uma atração pelo
judaísmo e tornou-se rabino.
Em termos de saltos transculturais ousados, nenhuma figura se equipara a Stanley Ann
Dunham Soetoro, a mãe de
Obama. Quando universitária
em Honolulu, ela frequentava a
organização de intercâmbio
cultural Centro Oriente-Ocidente, onde conheceu dois maridos sucessivos -Barack Obama pai, estudante de economia
do Quênia, e, mais tarde, o indonésio Lolo Soetoro.
Décadas depois, sua filha,
Maya, buscava folhetos no
mesmo centro quando notou o
estudante sinocanadense Konrad Ng, hoje seu marido.
Na última segunda, parentes
quenianos de Obama circulavam pelo hotel Mayflower, em
Washington, com seus lenços
coloridos atraindo atenção. Em
festas familiares, conta Craig
Robinson, "vemos um monte
de gente que fica feliz por estar
com a família". "As pessoas são
de culturas diferentes, mas o
que têm em comum é que são
todas da família", diz.
São festas que promovem
uma mistura feliz de tradições
e histórias, como no casamento
dos Obama, em 1992, que incluiu quenianos em trajes tradicionais, uma cerimônia africana em que as mãos dos noivos foram simbolicamente
amarradas, e, na recepção
-num centro cultural que já foi
um clube de campo que barrava
negros e judeus-, blues, jazz e
música erudita .
É possível que os eventos da
Casa Branca agora passem a ter
um pouco desse clima.
Tradução de CLARA ALLAIN
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