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São Paulo, sábado, 22 de fevereiro de 2003

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ANÁLISE

Bush revela falta de visão

PAUL KRUGMAN
DO "THE NEW YORK TIMES"

O Plano Marshall foi o melhor momento dos EUA. Após a Primeira Guerra, os vencedores exigiram reparação dos vencidos. Após a Segunda Guerra, porém, os EUA adotaram uma atitude inusitada: deram assistência em quantidades enormes, ajudando tanto aliados quanto inimigos.
Não foi um gesto de altruísmo desinteressado, é claro -foi uma defesa dos interesses dos EUA. Os líderes americanos compreenderam que fomentar prosperidade, estabilidade e democracia era tão importante na luta contra o comunismo quanto consolidar o poderio militar dos EUA.
Desconfiamos, porém, que os líderes americanos atuais teriam zombado desse exercício de ""construção de nações".
Não que o governo Bush seja pão-duro. Na verdade, está oferecendo doações a torto e a direito. Washington transformou a assistência externa em ferramenta da diplomacia de guerra. Os pedidos de ajuda de países pequenos que estão no Conselho de Segurança de repente passaram a receber tratamento muito favorável, numa tentativa de influir sobre seus votos. Mas está claro que a generosidade chegará ao fim assim que Bagdá cair.
Afinal, observe-se o comportamento americano no Afeganistão. Bush prometeu que o interesse pelo Afeganistão não acabaria depois que a guerra tivesse sido ganha; desta vez, afirmou, permaneceríamos para reconstruir o país.
Quanto dinheiro o governo Bush incluiu em seu Orçamento de 2004 para a reconstrução do Afeganistão? Nada. Funcionários do Congresso, constrangidos, tiveram de incluir uma verba de US$ 300 milhões para cobrir o lapso. Compreende-se, agora, por que os turcos, além de exigir ainda mais dinheiro para abrir suas bases aos EUA, querem garantias por escrito.
E o Iraque terá o mesmo tratamento. Ari Fleischer declarou que o Iraque pode pagar por sua própria reconstrução. Aí está, portanto. O governo americano pensa num Plano Marshall, mas em planos marciais -bilhões de dólares para o ataque e nem um centavo sequer para a reconstrução.
É claro que a reconstrução da Europa e do Japão não foi questão apenas de dinheiro. Os EUA também podem se orgulhar da maneira como ergueram instituições democráticas. Infelizmente, porém, os planos políticos para o pós-guerra no Iraque são ainda mais preocupantes do que o descaso econômico dos EUA.
Consta que os EUA ofereceram à Turquia o direito de ocupar boa parte do Curdistão iraquiano. Sim, é isso mesmo: em nossa iniciativa para libertar a população iraquiana, nosso primeiro passo pode ser o de entregar um povo nas mãos de uma potência estrangeira odiada. Isso é clareza moral?
Enquanto isso, exilados iraquianos ultrajados informam que não haverá nada semelhante à ""desnazificação" da Europa, na qual os cúmplices do regime derrotados foram expurgados. Não é preciso ser especialista no Iraque para compreender que, desse jeito, muitas pessoas altamente repreensíveis vão permanecer no poder iraquiano.
Se tudo isso soa inacreditavelmente desumano e revela uma falta de visão extrema, é porque é exatamente isso. Mas o que você esperava? O governo americano atual não se preocupa com consequências de longo prazo -basta olhar sua política fiscal para se dar conta disso. Ele quer sua guerra, e não há o menor indício de que esteja interessado no trabalho maçante e caro de construir uma paz justa e duradoura.


Tradução de Clara Allain


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