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ANÁLISE
Bush revela falta de visão
PAUL KRUGMAN
DO "THE NEW YORK TIMES"
O Plano Marshall foi o melhor
momento dos EUA. Após a Primeira Guerra, os vencedores exigiram reparação dos vencidos.
Após a Segunda Guerra, porém,
os EUA adotaram uma atitude
inusitada: deram assistência em
quantidades enormes, ajudando
tanto aliados quanto inimigos.
Não foi um gesto de altruísmo
desinteressado, é claro -foi uma
defesa dos interesses dos EUA. Os
líderes americanos compreenderam que fomentar prosperidade,
estabilidade e democracia era tão
importante na luta contra o comunismo quanto consolidar o
poderio militar dos EUA.
Desconfiamos, porém, que os líderes americanos atuais teriam
zombado desse exercício de
""construção de nações".
Não que o governo Bush seja
pão-duro. Na verdade, está oferecendo doações a torto e a direito.
Washington transformou a assistência externa em ferramenta da
diplomacia de guerra. Os pedidos
de ajuda de países pequenos que
estão no Conselho de Segurança
de repente passaram a receber
tratamento muito favorável, numa tentativa de influir sobre seus
votos. Mas está claro que a generosidade chegará ao fim assim
que Bagdá cair.
Afinal, observe-se o comportamento americano no Afeganistão.
Bush prometeu que o interesse
pelo Afeganistão não acabaria depois que a guerra tivesse sido ganha; desta vez, afirmou, permaneceríamos para reconstruir o país.
Quanto dinheiro o governo
Bush incluiu em seu Orçamento
de 2004 para a reconstrução do
Afeganistão? Nada. Funcionários
do Congresso, constrangidos, tiveram de incluir uma verba de
US$ 300 milhões para cobrir o
lapso. Compreende-se, agora, por
que os turcos, além de exigir ainda mais dinheiro para abrir suas
bases aos EUA, querem garantias
por escrito.
E o Iraque terá o mesmo tratamento. Ari Fleischer declarou que
o Iraque pode pagar por sua própria reconstrução. Aí está, portanto. O governo americano pensa num Plano Marshall, mas em
planos marciais -bilhões de dólares para o ataque e nem um centavo sequer para a reconstrução.
É claro que a reconstrução da
Europa e do Japão não foi questão
apenas de dinheiro. Os EUA também podem se orgulhar da maneira como ergueram instituições
democráticas. Infelizmente, porém, os planos políticos para o
pós-guerra no Iraque são ainda
mais preocupantes do que o descaso econômico dos EUA.
Consta que os EUA ofereceram
à Turquia o direito de ocupar boa
parte do Curdistão iraquiano.
Sim, é isso mesmo: em nossa iniciativa para libertar a população
iraquiana, nosso primeiro passo
pode ser o de entregar um povo
nas mãos de uma potência estrangeira odiada. Isso é clareza moral?
Enquanto isso, exilados iraquianos ultrajados informam que não
haverá nada semelhante à ""desnazificação" da Europa, na qual
os cúmplices do regime derrotados foram expurgados. Não é preciso ser especialista no Iraque para compreender que, desse jeito,
muitas pessoas altamente repreensíveis vão permanecer no
poder iraquiano.
Se tudo isso soa inacreditavelmente desumano e revela uma
falta de visão extrema, é porque é
exatamente isso. Mas o que você
esperava? O governo americano
atual não se preocupa com consequências de longo prazo -basta
olhar sua política fiscal para se dar
conta disso. Ele quer sua guerra, e
não há o menor indício de que esteja interessado no trabalho maçante e caro de construir uma paz
justa e duradoura.
Tradução de Clara Allain
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