São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 2005

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Ex-premiê libanês acusa a Síria e acena para Israel

GUSTAVO CHACRA
DA REDAÇÃO

"Voltarei ao Líbano nas próximas semanas ou meses", disse o principal líder opositor libanês, Michel Aoun, 69, em entrevista à Folha. O ex-general, que não descarta disputar a Presidência no futuro, também defendeu negociações de paz do Líbano com Israel.
Cristão maronita, Aoun ocupava interinamente o cargo de premiê libanês no fim da Guerra Civil, em 1990, quando foram assinados os acordos de Taif, que permitiram que as tropas sírias se mantivessem no Líbano.
Após rejeitar o acordo e sem condições de enfrentar a presença síria naquele momento, Aoun, que entre 1984 e 88 foi chefe das Forças Armadas do Líbano, partiu para a França. A seguir, leia trechos da entrevista, feita por telefone, de sua casa, em Paris, onde vive exilado desde 1990 por se opor à ocupação síria.

 

Folha - Por que o sr. acha que a Síria matou Hariri?
Michel Aoun -
É uma tradição da Síria, faz parte da política deles. Desde os anos 60, todos os opositores sírios do regime [de Damasco] foram assassinados. Depois eles começaram a eliminar os libaneses que se opunham à Síria, como Kamal Jumblatt [líder druso] e Bashir Gemayel [ex-presidente]. Por que parariam agora?

Folha - O sr. acredita que tenha sido uma ordem dada diretamente por Assad? Ou seria algum grupo dentro do regime?
Aoun -
Eu não sei quem foi. Nós vemos a Síria como um regime. Não pensamos apenas em Assad.

Folha - O que os libaneses podem fazer contra a ocupação?
Aoun -
Vamos agir pacificamente. Veja a manifestação de hoje [ontem] em Beirute. Além disso, os EUA e a França devem liderar a pressão internacional.

Folha - Como é a sua relação com sunitas, xiitas e drusos?
Aoun -
É muito boa. Todas as religiões participam juntas dos atos anti-Síria. Lembre-se de que Hariri era muçulmano, Jumblatt é druso. Temos uma unidade nacional na oposição. Há um sentimento hoje no Líbano de que os sírios trabalharam nos últimos 30 anos para que os libaneses ficassem divididos entre as religiões.

Folha - O sr. concordaria em conversar com o atual governo?
Aoun -
Eles são fantoches da Síria. Precisamos de um verdadeiro governo nacional, não dessas pessoas que estão lá agora.

Folha - O sr. pretende retornar ao Líbano e disputar as eleições parlamentares de maio?
Aoun -
Voltarei ao Líbano nas próximas semanas ou meses. Ainda não decidi se disputarei as eleições. Talvez sim, talvez não.

Folha - E no futuro, o sr., como cristão e líder da oposição, aceitaria disputar a Presidência?
Aoun -
Eu gostaria, claro. Mas tudo dependerá da vontade da população libanesa.

Folha - É correto, na sua opinião, que o presidente do Líbano seja obrigatoriamente um cristão?
Aoun -
É uma tradição já aceita, não há motivos para mudar. Trata-se de uma divisão que evita choques entre as religiões.

Folha - Mas o sr. já ocupou o cargo de premiê, que deve ser sempre de um muçulmano sunita.
Aoun -
Foi em um outro contexto, na época estávamos em guerra e o presidente pediu que eu assumisse o cargo.

Folha - O que o sr. acha do Hizbollah?
Aoun -
O Hizbollah deveria entregar as armas para o Exército libanês. Não há motivo para eles continuarem armados. Isso desestabiliza a fronteira com Israel.

Folha - O sr. apóia a paz do Líbano com Israel?
Aoun -
Sempre apoiei as negociações de paz com Israel. O problema para um acordo são os sírios e os palestinos. Não há problema entre o Líbano e Israel.

Folha - E os refugiados palestinos que vivem no Líbano?
Aoun -
Eles não podem continuar no Líbano. O Líbano é um país pequeno, que não tem condição de incorporar toda essa população. Compare a nossa densidade com a do Brasil, a do Canadá, a dos outros países árabes. Acho que os refugiados deveriam ir para um Estado palestino ou para qualquer outro país árabe. No Líbano não dá, não tem espaço.


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