São Paulo, sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

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Oposição paquistanesa faz acordo para formação de governo

Com mais da metade das cadeiras do Parlamento do país, partidos de viúvo de Benazir e de ex-primeiro-ministro inimigo de Musharraf anunciam coalizão

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A ISLAMABAD

A oposição paquistanesa anunciou ontem um acordo para a formação do novo governo do país, três dias depois de derrotar de forma esmagadora o partido que apóia o regime do presidente Pervez Musharraf.
"Estaremos juntos na defesa da democracia e para fortalecer o Parlamento", afirmou Asif Ali Zardari, o viúvo da ex-premiê Benazir Bhutto e herdeiro de seu PPP (Partido do Povo Paquistanês), que ficou em primeiro lugar no pleito de segunda-feira (88 das 272 cadeiras).
Ele falou em sua casa ao lado de Nawaz Sharif, arquiinimigo de Musharraf e que foi deposto pelo então chefe do Exército quando era primeiro-ministro, em 1999. Formou um partido, a facção Nawaz da Liga Muçulmana do Paquistão (PML-N), que ficou em segundo lugar na eleição (66 cadeiras).
"Nós concordamos numa agenda comum. Vamos trabalhar para formar o governo central e nas Províncias", disse Sharif. Político muito mais experiente que Zardari, ele dominou a entrevista coletiva para o anúncio, fazendo piadas e respondendo pelo líder do PPP.
De quebra, Zardari não é unanimidade em seu partido por conta das acusações de corrupção nas gestões de sua mulher. Ele foi poupado na campanha largamente porque a propaganda do partido era baseada na venda como mártir da política assassinada em dezembro -"vote em Benazir, vote PPP" era slogan corrente.
Mas há fios soltos na união. O primeiro é prático: a oposição não tem ainda maioria de dois terços para passar emendas constitucionais e processos importantes, como um pedido de impeachment de Musharraf.
Para tanto, Zardari ontem fez um pré-acordo com o Partido Nacional Awani (da etnia pashtun), que tem só dez cadeiras na Assembléia Nacional, mas que é majoritário na Assembléia Provincial da Fronteira Norte, podendo atrair deputados independentes à base.
E há dúvidas sobre o que será possível fazer de fato. Musharraf nunca governou num sistema verdadeiramente parlamentarista -os premiês que indicou eram fantoches seus. Ninguém sabe em que nível se dará o embate entre o Executivo, resumido a presidente e Forças Armadas, e um novo gabinete montado pelo Parlamento hostil.
Ontem, Musharraf recebeu um telefonema do seu maior aliado, o presidente americano, George W. Bush, para congratulá-lo pelas eleições. "Parece piada. Ele liga para elogiar o presidente pela obrigação dele? Ainda mais com o seu partido morto nas urnas", disse o analista Liaquat Rehman.
Bush considerou a eleição uma "vitória na guerra ao terror". Resta saber de quem, uma vez que o PPP já se posicionou a favor de parar os ataques do Exército paquistanês contra extremistas compatriotas nas regiões tribais. "Na prática, contudo, é quase impossível desacoplar a política de Islamabad da ditada por Washington", afirmou Asad Durrani, chefe do serviço secreto de 1990 a 1992.
Além disso, há uma questão sobre a qual Zardari e Sharif dizem estar preocupados, mas cuja solução ainda é incógnita: o Judiciário, sob intervenção desde novembro, quando Musharraf deu um golpe, afastou e deteve sete membros da Suprema Corte e suspendeu garantias constitucionais.
Para os governistas, os juízes estavam abusando de suas prerrogativas e tentando legislar ao derrubar medidas do Executivo, e o estado de emergência já foi suspenso.
Para os advogados, a rua é a saída. Houve protestos ontem em todo o país e eles deram um ultimato ao governo Musharraf: haverá marchas diárias se os 13 juízes presos em todo o país, incluindo o chefe da Suprema Corte, não forem soltos até 7 de março.
Houve protestos em Islamabad, Karachi, Lahore e Peshawar. Em Islamabad, só a intervenção do oposicionista Sharif impediu conflito de grandes proporções entre cerca de 500 advogados e as forças de segurança que bloquearam o acesso à casa de Ifitkhar Chaudhry, o presidente da Suprema Corte, preso desde novembro.


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