São Paulo, domingo, 22 de março de 2009

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Com 900 mil afegãos, Irã concentra 6% do PIB do país vizinho

Maioria fugiu da ocupação soviética, nos anos 80, e hoje exporta renda para casa; instabilidade atual os faz criar raiz no país anfitrião

Urbanos e assimilados, refugiados são mão-de-obra barata para iranianos, mas também drenam assistência do regime dos aiatolás


Reuters
Refugiado afegão em Zahedan, Irã

MARINA MESEGUER TORRES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM TEERÃ

A fronteira que separa o Irã do Afeganistão é uma fonte constante de problemas para a república islâmica há 30 anos.
Por ela passam diariamente milhares de refugiados e imigrantes ilegais -uma multidão confusa de homens e mulheres que fogem do conflito e da pressão do Taleban, misturados a contrabandistas e traficantes.
São invisíveis, mas estão por toda parte. Homens de pele escurecida e roupa suja que passam longas jornadas arrastando carrinhos de mercadorias pelas vielas do bazar ou nos andaimes dos muitos edifícios em construção em Teerã. Sentam-se a seu lado nos ônibus, olhando fotos em seus celulares, pequenos símbolos de seu progresso pessoal.
Essa turba é parte dos mais de 900 mil afegãos e 50 mil iraquianos que fizeram do Irã o segundo país que acolhe mais refugiados. Só o supera, e por muito pouco, o Paquistão.
Do outro lado, o enorme fluxo de afegãos para o exterior não é só consequência do conflito armado entre milícias pós-Taleban e tropas da Otan, a aliança militar ocidental.
A maioria dos exilados é formada por hóspedes antigos que vivem no Irã desde a ocupação soviética (1979-1989), quando o Afeganistão se tornou um dos mais convulsos e violentos países do mundo. A guerra civil que sucedeu a retirada russa, a repressão dos fundamentalistas do Taleban desde sua ascensão em 1996 até sua queda em 2001, a ofensiva americana e a instabilidade atual, tudo isso fez dos afegãos um povo de apátridas, que no Irã já chegaram a ser mais de 3 milhões.

Mão-de-obra
Os refugiados afegãos são a mão-de-obra barata e flexível de que o regime dos aiatolás precisava para acelerar a economia iraniana.
Eles vivem majoritariamente nos núcleos urbanos (a maioria abandonou os campos de refugiados da fronteira). Destes, 60% chegaram há mais de 15 anos, e seus vínculos com o país de origem já começam a se perder. Não querem voltar a um país ainda inseguro e cuja economia está devastada. No Irã, ganham quatro vezes o que ganhariam em Cabul ou Candahar. Calcula-se que os refugiados enviem a suas famílias cerca de US$ 500 milhões por ano, 6% do PIB afegão.
Muitos já não pensam em voltar: no Irã encontraram estabilidade e fonte de renda. Mas há também os que simplesmente não podem, como os hazaras, afegãos descendentes dos mongóis que há séculos vivem no centro do Afeganistão e seguem a vertente xiita do islã.
Eles sempre foram um povo marginalizado, por motivos tanto religiosos quanto étnicos: sua escravidão foi permitida até 1923. Os membros do Taleban, defensores radicais da fé sunita, tentaram exterminá-los, acusando-os de heresia. Os hazaras veem o Irã, o maior país xiita do mundo islâmico, como refúgio perfeito. O Afeganistão deixou de ser sua pátria.
Mas se os exilados afegãos beneficiaram a muitos empresários iranianos, também é verdade que causam dor de cabeça aos governantes do país.
O Estado tem que se encarregar das crianças abandonadas pelas famílias exiladas pobres e acaba destinando muitos recursos para combater o aumento das atividades ilegais, especialmente o tráfico de drogas, de armas e de pessoas.
Por isso, apesar das rivalidades com Israel e os EUA, a linha de frente do Exército iraniano está na fronteira porosa de mais de 1.600 quilômetros de extensão que separa o Irã do Afeganistão e do Paquistão.


Tradução de CLARA ALLAIN


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