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ARTIGO
O Equador e a crise sem fim
LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em 1961, o embaixador do Brasil em Quito, José Jobim, percebeu que existiam no Equador
condições propícias para a eclosão de uma revolução, como
ocorrera na Bolívia (1952) e em
Cuba (1959). A massa do povo
equatoriano, composta de índios,
cujo status social era o de pária,
vivia em "níveis de pauperismo
aterradores" e, sem qualquer
perspectiva de progresso, não encontraria saída para sua miséria
"fora da subversão social", uma
vez que a elite demonstrava "impermeabilidade" para compreender que uma situação como aquela não mais podia manter-se.
Com efeito, um amplo movimento popular irrompeu, provocando a queda do José Maria Velasco Ibarra, que resistia às pressões dos EUA para romper as relações diplomáticas com Cuba.
A evolução dos acontecimentos
no Equador assemelhou-se, de
certo modo, ao que ocorrera no
Brasil, dois meses antes, agosto de
1961, com a renúncia de Jânio
Quadros. A fim de forçar o Equador a romper relações com Cuba,
a CIA fomentara a agitação, para
desestabilizar o governo de Velasco Ibarra, embora o governo pudesse cair nas mãos do vice-presidente Carlos Arosemena, cujas ligações com a esquerda o tornavam tão indesejável para os EUA
quanto João Goulart no Brasil.
Com efeito, foi o que aconteceu.
Velasco Ibarra caiu e quando o
Congresso confrontou-se com os
chefes militares, que queriam impedir que Arosemena assumisse o
governo, as forças de esquerda
mobilizaram-se e ganharam as
ruas em defesa da legalidade. As
Forças Armadas cindiram-se. E o
resultado não foi o que a CIA e o
Pentágono desejavam. Arosemena foi empossado na Presidência.
O encarregado de negócios do
Brasil, Lindolfo Leopoldo Collor,
em informe ao Itamaraty, comentou que era "flagrante a dívida
contraída" pelo governo de Arosemena "com a conspiração castrista e a rebelião esquerdista, que
ajudaram a levá-lo ao poder, a
preço de sangue". E acrescentou
que ele herdara "uma estrutura
feudal, um país de riqueza agropecuária presa das flutuações dos
preços internacionais, uma sociedade cheia de preconceitos contra
a maioria da população de origem
indígena, um sistema de trabalho
semi-escravo, uma história responsável pela psicologia amargurada e descrente do povo", tornando o Equador um "exemplo
de processo econômico e social",
que parecia "feito sob receita para
ilustrar uma ocasional perfeição
de análise marxista".
Arosemena também recalcitrou, para não romper relações
com Cuba, e foi deposto pelas
Forças Armadas, em 1963. Uma
Junta Militar governou o Equador, sem conseguir estabilizar a
situação, até 1968, ano em que Velasco Ibarra outra vez se elegeu e
conseguiu completar o mandato
em 1972. A situação econômica e
social do Equador, porém, não
mudou muito, desde então. Pelo
contrário, agravou-se. O Equador
tornou-se mais e mais dependente dos EUA.
Abdala Bucaram, político de
Guayaquil, foi eleito presidente
pelo Partido Roldosista Ecuatoriano (PRE), em 1996, prometendo reformas econômicas e sociais
para romper o poder da oligarquia. Líder populista, personalidade excêntrica, vangloriava-se
de ser chamado "El Loco", provocou, no entanto, enorme descontentamento e desencadeou uma
onda de protestos, após seis meses de governo, ao anunciar em 1º
de dezembro de 1996 o aumento
dos preços da água, do gás, da luz
e dos telefones. O Congresso, cerca de dois meses depois, aprovou
sua destituição por "incapacidade
mental", e seu presidente, Fabian
Alarcón Rivera, assumiu interinamente o governo. Jamil Mahuad,
do Partido da Democracia Popular, e Gustavo Noboa, do Partido
Social Cristão, foram eleitos pelo
Congresso, em 1998.
Mahuad também não governou
muito tempo. Assessorado por
economistas argentinos, tratou de
dolarizar a economia. Teve então
de decretar estado de emergência
e mobilizar o Exército a fim de reprimir as intensas manifestações
da oposição, apoiadas pelos sindicatos e pela Confederación de Nacionalidades Indígenas del Ecuador. O Banco Central do Equador
aprovou o plano de dolarização
em 10 de janeiro 2000, e Mahuad,
no dia 15, apresentou-se ao Congresso para defender as leis necessárias à sua implementação. O estado de emergência, contudo, não
pôde conter a insurreição dos indígenas (4,2 milhões em uma população de 12 milhões), à qual
aderiram os sindicatos e partidos
políticos, que exigiam a renúncia
de Mahuad, dos deputados e do
Judiciário. E, em 21 de janeiro, um
grupo de coronéis, liderados por
Lucio Gutiérrez, levantou o Exército, em apoio às comunidades
indígenas. Mahuad, ao perceber
que não mais tinha condições, refugiou-se em uma base militar,
embora declarasse que não renunciaria. Os indígenas e os militares ocuparam os edifícios públicos, as sede dos três Poderes em
Quito, e Antonio Vargas, líder indígena, proclamou a dissolução
do Congresso, bem como da Suprema Corte, anunciou a remoção de Mahuad da Presidência, a
formação de um "parlamento popular", e instituiu uma Junta de
Salvação Nacional, com a participação de Gutiérrez.
O Conselho Permanente da
OEA logo se reuniu para a aplicar
sanções previstas pela na cláusula
democrática, e os EUA ameaçaram cessar toda a assistência econômica e militar, caso um regime
inconstitucional fosse instalado
no Equador. A Junta de Salvação
Nacional não pôde resistir. Os
EUA, o maior parceiro comercial
do Equador, absorviam cerca de
39% de suas exportações e forneciam pelo menos um terço de suas
importações.
Em tais circunstâncias, os militares sublevados recuaram. A
pressão dos EUA compeliu a Junta de Salvação Nacional a dissolver-se e, após intensas negociações entre indígenas, militares e
líderes políticos, com a participação dos americanos, o Congresso,
em 22 de janeiro, reuniu-se em
Guayaquil e reconheceu o vice-presidente Gustavo Noboa como
sucessor de Mahuad.
Mais de 30.000 indígenas, que
entraram em Quito para reclamar
a destituição de Mahuad, voltaram aos seus povoados, nas montanhas, com as mãos vazias. Perderam na mesa das negociações o
que haviam ganho nas ruas. Noboa confirmou o projeto de privatizações e efetivou a dolarização
da economia, em março de 2000.
E o Equador, com a economia dolarizada e o aeroporto de Manta
elevado à condição de importante
base militar, tornou-se o centro
das operações militares dos Estados Unidos na Amazônia. Porém,
como o general Charles E. Wilhelm, comandante-em-chefe do
Southern Command dos EUA, reconhecera no Senado americano,
no Equador como em outras nações situadas na sua área de responsabilidade, a América do Sul,
"a democracia e as reformas de livre mercado não trouxeram resultados tangíveis para o povo".
A eleição do coronel Lúcio Gutiérrez para a Presidência havia
acendido a esperança de que ele
realizasse um governo como Chávez na Venezuela. Ele, porém,
acomodou-se. Manteve a mesma
política de seus antecessores, e
caiu. Haverá outros capítulos.
O cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira é professor emérito da Universidade de Brasília e autor dos livros "As
Relações Perigosas: Brasil-Estados Unidos de Collor a Lula, 1990-2004", "Brasil,
Argentina e Estados Unidos" e "De Martí
a Fidel: a Revolução Cubana e a América
Latina".
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