São Paulo, sábado, 22 de abril de 2006

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SAÚDE

Agência americana contradiz relatório científico de 1999 e é acusada de servir a interesses políticos conservadores

FDA condena maconha para fins médicos

GARDINER HARRIS
DO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON

A Food and Drug Administration, agência que regula medicamentos e alimentos nos EUA, informou anteontem que não existem estudos científicos sólidos que confirmem a utilidade médica da maconha. Com isso, contradisse uma revisão do assunto feita em 1999 por um comitê de cientistas altamente conceituados.
O anúncio mergulha a agência de saúde em mais uma batalha política acirrada.
Susan Bro, uma porta-voz da FDA, disse que a declaração é fruto de uma revisão feita por organismos federais de combate às drogas, regulatórios e de pesquisa, que concluiu que "a maconha fumada não possui emprego médico comprovado ou atualmente aceito nos EUA e não constitui tratamento médico aprovado".
Bro afirmou que a agência divulgou o comunicado em resposta a diversas indagações feitas pelo Congresso, mas que provavelmente não fará nada para implementá-lo. "Qualquer ação de implementação baseada nesta conclusão teria de ser feita pela DEA [agência de combate às drogas], já que isso não se enquadra na autoridade regulatória da FDA."
Onze Estados americanos já legalizaram o uso médico da maconha, mas a DEA e o diretor da política nacional de controle das drogas, John Walters, se opõem a essas leis.
Uma decisão de 2005 da Suprema Corte autorizou o governo federal a prender qualquer pessoa que esteja consumindo maconha, mesmo para finalidades médicas e mesmo nos Estados que legalizaram seu uso.
Tanto os parlamentares adversários do uso da maconha para fins medicinais quanto os partidários dela já tentaram conseguir o apoio da FDA para seus pontos de vista. O deputado republicano Mark Souder, de Indiana, um adversário ferrenho das iniciativas relacionadas ao uso medicinal da maconha, propôs há dois anos a adoção de uma lei pela qual a FDA teria de emitir um parecer sobre as propriedades medicinais da erva. Um porta-voz do deputado disse que Souder acredita que os esforços para legalizar os usos medicinais da maconha constituem uma fachada para os esforços para legalizar o consumo de maconha para qualquer fim.
Um porta-voz de John Walters, Tom Riley, saudou a declaração da FDA, dizendo que ela acabará com o que ele qualificou como "a bizarra discussão pública" que levou à legalização parcial da maconha para fins medicinais.
A declaração da FDA contradiz diretamente uma revisão apresentada em 1999 pelo Instituto de Medicina, que integra a Academia Nacional de Ciências, a mais respeitada agência nacional de assessoria científica. Essa revisão considerou a maconha "moderadamente apropriada para condições particulares, tais como a náusea e os vômitos induzidos por quimioterapia e o desgaste ao organismo provocado pela Aids".
John Benson, co-presidente do comitê do Instituto de Medicina, que examinou as pesquisas sobre os efeitos da maconha, disse em entrevista que a declaração feita anteontem e a revisão combinada realizada pelas outras agências estão erradas. Benson, que é professor de medicina interna no Centro Médico da Universidade de Nebraska, disse que o governo federal "adora ignorar" o relatório de 1999. "Ele preferiria que ele nunca tivesse sido feito."
Na opinião de alguns cientistas e legisladores, a declaração da FDA sobre a maconha demonstra que a política ganhou prioridade sobre a ciência. "Infelizmente, esse é mais um exemplo de um caso em que a FDA faz pronunciamentos mais movidos pela ideologia do que pela ciência", disse Jerry Avorn, professor de medicina na Escola de Medicina de Harvard.
O deputado democrata Maurice Hinchey, que patrocinou uma lei que autoriza o emprego médico da maconha, disse que a declaração reflete a influência da DEA, que, segundo ele, pressiona a FDA há muito tempo para que esta lhe ajude no combate à maconha.
A declaração da FDA disse que as iniciativas estaduais que legalizam o uso da maconha "se chocam com os esforços para assegurar que os medicamentos sejam submetidos ao rigoroso escrutínio científico do processo de aprovação pela FDA".
Mas cientistas que estudam o uso medicinal da maconha disseram, em entrevistas, que o governo federal desencorajou ativamente tais pesquisas.


Tradução de Clara Allain


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