São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 2000


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NOVO MODELO
Para Anthony Giddens, governos afirmam adotar o ideário, mas, na verdade, fazem marketing político
Disseminação do "rótulo" Terceira Via irrita seu ideólogo

France Presse
Guarda carrega urso de pelúcia, presente para o novo filho do premiê britânico Tony Blair, Leo


RICARDO GRINBAUM
de Londres

Anthony Giddens, 62, considerado um dos sociólogos mais importantes do mundo hoje, é um dos criadores da chamada Terceira Via, proposta de renovação política e econômica alternativa ao socialismo e ao liberalismo.
Suas idéias inspiraram o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, o chanceler (premiê) alemão, Gerhard Schroeder, o presidente norte-americano, Bill Clinton, e o presidente Fernando Henrique Cardoso, que devem se reunir em junho na Alemanha para debater a Terceira Via.
Para Giddens, a Terceira Via é só um rótulo adotado para uma tentativa de renovar a velha social democracia européia, mas que está sendo usada em muitos países como peça de marketing político. "Há muitas pessoas que usam a Terceira Via como uma marca para se legitimar politicamente. Isso é ridículo", disse Giddens, que deve visitar em junho Brasil, Argentina e Chile.
Giddens é um dos principais conselheiros de Blair, que completa três anos no poder neste mês. Para ele, o governo de Blair já tem o que mostrar como sinal de que a Terceira Via não é apenas uma fachada de políticas neoliberais, como dizem seus críticos.
"O que está emergindo é um novo modelo social europeu que, se tiver sucesso, terá mais êxito do que os Estados Unidos nos próximos dez anos", disse Giddens. "Os novos "caras" somos nós e não os neoliberais." Giddens deu a seguinte entrevista à Folha:

Folha - Vários presidentes vão se encontrar na Alemanha para discutir a Terceira Via. Muitos países dizem adotar a Terceira Via, como o Brasil, os Estados Unidos, a Alemanha, o Reino Unido...
Anthony Giddens -
Coréia do Norte, Taiwan...

Folha - Até o presidente da Líbia, Muammar Gaddafi, diz ter idéias de Terceira Via. Esses países realmente estão seguindo novas idéias na política?
Giddens -
Não há dúvida de que muitas pessoas usam a Terceira Via por razões políticas, como um rótulo para se legitimar. Estive em alguns países em que quase todos os partidos se apresentavam como representantes da Terceira Via. É ridículo. O fato é que a idéia se espalhou de uma maneira surpreendente por todo o mundo.

Folha - O que a moda da Terceira Via revela?
Giddens -
Isso mostra que todo mundo está buscando algo diferente. Ninguém pensa seriamente em voltar ao tradicional esquerdismo, a não ser grupos relativamente pequenos. Por outro lado, as pessoas aprenderam os perigos do fundamentalismo de mercado e ninguém sabe mais sobre isso do que a América Latina, onde, pode-se argumentar, começou o neoliberalismo.

Folha - O presidente Fernando Henrique Cardoso foi à reunião da Terceira Via em Florença, vai ao encontro de Berlim. O sr. acha que FHC é um autêntico representante da Terceira Via?
Giddens -
Não posso falar pelo presidente Cardoso, posso falar por mim. A Terceira Via é diferente do neoliberalismo porque enfatiza que não é bom ter uma sociedade dominada por mercados. A Terceira Via enfatiza que é preciso ter três instituições numa sociedade decente: o governo, com liderança ativa; os mercados porque são efetivos do ponto de vista econômico; e a sociedade civil organizada. Nenhum dos três deve dominar os outros.
As políticas de Terceira Via reconhecem que o governo ainda tem um papel, mas diferente do tradicional e, por isso, deve ser reformado, numa maneira como vem sendo tentada no Brasil nos últimos sete ou oito anos. Desburocratizar o governo para que responda melhor às demandas e seja mais democrático. Mas é difícil, há corrupção, há resistência.

Folha - O maior defensor da chamada Terceira Via, o premiê Blair, completa três anos no poder neste mês. A Terceira Via está conseguindo cumprir o que prometeu?
Giddens -
É preciso entender que a Terceira Via não é um programa fixo, mas um projeto em andamento. É apenas um rótulo para um debate que corre o mundo sobre o futuro das políticas de centro e de esquerda. Ao assumir o governo, o Partido Trabalhista tem de lidar com essas mudanças ideológicas e com a herança dos 20 anos em que os neoliberais estiveram no poder. É preciso reconstruir o serviço público, que foi desmontado. Não é uma tarefa fácil. Mas, ainda assim, acredito que houve grandes avanços.

Folha - O que as políticas da Terceira Via trouxeram, na prática, para os britânicos?
Giddens -
Na economia, o programa de créditos para famílias de trabalhadores deve tirar 2 milhões de pessoas da pobreza até o ano 2001, sendo 1 milhão de crianças.
A estratégia econômica também está correta: é preciso garantir a estabilidade da economia e ganhar a confiança do mercado financeiro. Isso o governo conseguiu. Estava certo ao criar um Banco Central independente.
Embora tenha reduzido os impostos, o governo gerou consideráveis superávits nas contas públicas que estão sendo aplicados na saúde. A lógica do governo é aceita pela União Européia: é preciso colocar muita gente no mercado de trabalho, elevar o nível de emprego para 75% da população.
Se isso for alcançado, vai sobrar dinheiro para investir no que as pessoas querem: educação básica, saúde e pensões. O que está emergindo é um novo modelo social europeu que, se tiver sucesso, terá mais êxito do que os Estados Unidos nos próximos dez anos.

Folha - Muitos críticos dizem que a Terceira Via é uma nova fachada para velhas políticas neoliberais.
Giddens -
A Terceira Via é um nome para renovar a social democracia, não tem nada a ver com o neoliberalismo. A social democracia pertence a um mundo diferente, do passado. Hoje, é reconhecido que os mercados podem fazer muito mais do que a esquerda tradicional imaginava. Depois do fim da URSS e as falhas do keynesianismo, é difícil questionar isso. É preciso renovar as instituições, fazer novas distribuições de renda dentro das fronteiras da social democracia. Nós somos os novos "caras", não os neoliberais.



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