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NOVO MODELO
Para Anthony Giddens, governos afirmam adotar o ideário, mas, na verdade, fazem marketing político
Disseminação do "rótulo" Terceira Via
irrita seu ideólogo
France Presse
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Guarda carrega urso de pelúcia, presente para o novo filho do premiê britânico Tony Blair, Leo |
RICARDO GRINBAUM
de Londres
Anthony Giddens, 62, considerado um dos sociólogos mais importantes do mundo hoje, é um
dos criadores da chamada Terceira Via, proposta de renovação política e econômica alternativa ao
socialismo e ao liberalismo.
Suas idéias inspiraram o primeiro-ministro britânico, Tony
Blair, o chanceler (premiê) alemão, Gerhard Schroeder, o presidente norte-americano, Bill Clinton, e o presidente Fernando
Henrique Cardoso, que devem se
reunir em junho na Alemanha para debater a Terceira Via.
Para Giddens, a Terceira Via é
só um rótulo adotado para uma
tentativa de renovar a velha social
democracia européia, mas que está sendo usada em muitos países
como peça de marketing político.
"Há muitas pessoas que usam a
Terceira Via como uma marca
para se legitimar politicamente.
Isso é ridículo", disse Giddens,
que deve visitar em junho Brasil,
Argentina e Chile.
Giddens é um dos principais
conselheiros de Blair, que completa três anos no poder neste
mês. Para ele, o governo de Blair
já tem o que mostrar como sinal
de que a Terceira Via não é apenas
uma fachada de políticas neoliberais, como dizem seus críticos.
"O que está emergindo é um novo modelo social europeu que, se
tiver sucesso, terá mais êxito do
que os Estados Unidos nos próximos dez anos", disse Giddens.
"Os novos "caras" somos nós e não
os neoliberais." Giddens deu a seguinte entrevista à Folha:
Folha - Vários presidentes vão se
encontrar na Alemanha para discutir a Terceira Via. Muitos países dizem adotar a Terceira Via, como o
Brasil, os Estados Unidos, a Alemanha, o Reino Unido...
Anthony Giddens - Coréia do
Norte, Taiwan...
Folha - Até o presidente da Líbia,
Muammar Gaddafi, diz ter idéias
de Terceira Via. Esses países realmente estão seguindo novas idéias
na política?
Giddens - Não há dúvida de que
muitas pessoas usam a Terceira
Via por razões políticas, como um
rótulo para se legitimar. Estive em
alguns países em que quase todos
os partidos se apresentavam como representantes da Terceira
Via. É ridículo. O fato é que a idéia
se espalhou de uma maneira surpreendente por todo o mundo.
Folha - O que a moda da Terceira
Via revela?
Giddens - Isso mostra que todo
mundo está buscando algo diferente. Ninguém pensa seriamente
em voltar ao tradicional esquerdismo, a não ser grupos relativamente pequenos. Por outro lado,
as pessoas aprenderam os perigos
do fundamentalismo de mercado
e ninguém sabe mais sobre isso
do que a América Latina, onde,
pode-se argumentar, começou o
neoliberalismo.
Folha - O presidente Fernando
Henrique Cardoso foi à reunião da
Terceira Via em Florença, vai ao encontro de Berlim. O sr. acha que
FHC é um autêntico representante
da Terceira Via?
Giddens - Não posso falar pelo
presidente Cardoso, posso falar
por mim. A Terceira Via é diferente do neoliberalismo porque
enfatiza que não é bom ter uma
sociedade dominada por mercados. A Terceira Via enfatiza que é
preciso ter três instituições numa
sociedade decente: o governo,
com liderança ativa; os mercados
porque são efetivos do ponto de
vista econômico; e a sociedade civil organizada. Nenhum dos três
deve dominar os outros.
As políticas de Terceira Via reconhecem que o governo ainda
tem um papel, mas diferente do
tradicional e, por isso, deve ser reformado, numa maneira como
vem sendo tentada no Brasil nos
últimos sete ou oito anos. Desburocratizar o governo para que responda melhor às demandas e seja
mais democrático. Mas é difícil,
há corrupção, há resistência.
Folha - O maior defensor da chamada Terceira Via, o premiê Blair,
completa três anos no poder neste
mês. A Terceira Via está conseguindo cumprir o que prometeu?
Giddens - É preciso entender que
a Terceira Via não é um programa
fixo, mas um projeto em andamento. É apenas um rótulo para
um debate que corre o mundo sobre o futuro das políticas de centro e de esquerda. Ao assumir o
governo, o Partido Trabalhista
tem de lidar com essas mudanças
ideológicas e com a herança dos
20 anos em que os neoliberais estiveram no poder. É preciso reconstruir o serviço público, que
foi desmontado. Não é uma tarefa
fácil. Mas, ainda assim, acredito
que houve grandes avanços.
Folha - O que as políticas da Terceira Via trouxeram, na prática, para os britânicos?
Giddens - Na economia, o programa de créditos para famílias de
trabalhadores deve tirar 2 milhões
de pessoas da pobreza até o ano
2001, sendo 1 milhão de crianças.
A estratégia econômica também está correta: é preciso garantir a estabilidade da economia e
ganhar a confiança do mercado financeiro. Isso o governo conseguiu. Estava certo ao criar um
Banco Central independente.
Embora tenha reduzido os impostos, o governo gerou consideráveis superávits nas contas públicas que estão sendo aplicados
na saúde. A lógica do governo é
aceita pela União Européia: é preciso colocar muita gente no mercado de trabalho, elevar o nível de
emprego para 75% da população.
Se isso for alcançado, vai sobrar
dinheiro para investir no que as
pessoas querem: educação básica,
saúde e pensões. O que está emergindo é um novo modelo social
europeu que, se tiver sucesso, terá
mais êxito do que os Estados Unidos nos próximos dez anos.
Folha - Muitos críticos dizem que
a Terceira Via é uma nova fachada
para velhas políticas neoliberais.
Giddens - A Terceira Via é um
nome para renovar a social democracia, não tem nada a ver com o
neoliberalismo. A social democracia pertence a um mundo diferente, do passado. Hoje, é reconhecido que os mercados podem
fazer muito mais do que a esquerda tradicional imaginava. Depois
do fim da URSS e as falhas do keynesianismo, é difícil questionar isso. É preciso renovar as instituições, fazer novas distribuições de
renda dentro das fronteiras da social democracia. Nós somos os
novos "caras", não os neoliberais.
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