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ÁSIA
Condições de trabalho em fábricas do país se assemelham às verificadas nos primeiros tempos da industrialização na Europa
China revive horror da Revolução Industrial
JOSEPH KAHN
DO ""NEW YORK TIMES",
EM HUANG TU, CHINA
Com seu sorriso bonito e farta
cabeleira preta, Hu Zhiguo não
aparenta seus 44 anos de idade
-e muito menos o fato de estar
gravemente doente. O que trai sua
condição é sua voz fraca, fruto de
seus pulmões prejudicados.
Um médico lhe disse que tinha
tuberculose. Outro arriscou um
palpite diferente: câncer. O diagnóstico final, baseado na cor cinza
que escurece suas chapas de pulmão, é um caso grave de silicose,
doença que os chineses chamam
de ""pó no pulmão".
Hu contraiu a doença produzindo colares baratos de pedras
iridescentes como a opala. As bijuterias são exportadas aos EUA
em contêineres cheios. Trabalhando durante muitas horas por
dia numa fábrica de bijuterias na
Província de Guangdong, Hu
provavelmente inalou mais pó de
quartzo em dez anos do que os
padrões de segurança da própria
China permitiriam num milênio.
Hoje ele está afastado da fábrica.
Hu voltou à sua cidade natal,
Huang Tu, nas montanhas de Sichuan, onde tentou -mas não
conseguiu- ajudar sua mulher a
administrar uma mercearia. ""Não
consigo levantar um saco de arroz", ele sussurrou, nos fundos da
loja familiar. ""Sou um homem
acabado, à espera da morte."
A China emergiu como maior
exportadora asiática de bens manufaturados aos EUA, mas os trabalhadores que produzem esses
bens são vítimas de um aumento
enorme nas doenças fatais -respiratórias, circulatórias, neurológicas e do trato digestivo- semelhantes às que os operários americanos e europeus sofriam na aurora da Revolução Industrial.
Nesse sentido, o país não está
recriando apenas a transformação industrial que levou prosperidade à Europa, aos EUA e a alguns países asiáticos -também
está revivendo seus horrores.
Mesmo por sua própria contagem oficial, a China já tem mais
mortes provocadas por doenças
relacionadas ao trabalho do que
qualquer outro país ou região do
mundo, incluindo as economias
industriais dos EUA e da Europa,
somadas. No ano passado, segundo dados governamentais compilados pela Organização Internacional do Trabalho, 386.645 trabalhadores chineses morreram de
doenças do trabalho.
É bem possível que essa estatística subestime a situação dos centros industriais crescentes da costa leste da China, onde dezenas de
milhões de trabalhadores migrantes como Hu Zhiguo produzem a parte maior das exportações chinesas, trabalhando por
bem menos de US$ 1 por hora,
sem contrato de emprego, assistência médica ou sindicato.
A empresa para a qual Hu trabalhava, a Lucky Gems and Jewelry, hoje está instalada num
centro com vários edifícios situado em Huizhou, a quase duas horas ao norte da fronteira da China
continental com Hong Kong. Ela
emprega 3.000 operários, quase
todos vindos de Províncias distantes e vivendo dentro de um
complexo fechado ou na feia comunidade residencial que ladeia
as ruas de terra e os canteiros de
obras que cercam a fábrica. Seu
proprietário, um empresário de
Hong Kong chamado Wang Shenhua, foi pioneiro na introdução
da manufatura de bijuterias no
sul da China, em meados dos anos
80, quando abriu sua primeira fábrica na zona econômica experimental de Shenzhen.
Com a Lucky e centenas de pequenas empresas rivais, a China
domina um setor que faz uso intensivo de mão-de-obra e que, no
passado, se espalhava pelo Sudeste Asiático e Oriente Médio.
A Lucky afirma levar a saúde de
seus funcionários a sério, embora
tenha se negado a permitir uma
visita da reportagem à fábrica.
Hu era um camponês de 30
anos, ansioso por ganhar salário
de operário, quando deixou sua
casa no norte de Sichuan, em
1990. Ele viajou durante quatro
dias, de ônibus e de trem, para
chegar a Shenzhen. Lá, conseguiu
um emprego na Lucky, apresentado à empresa por um parente.
Ele aprendeu a lapidar e lixar
pedras semipreciosas em formatos de coração, estrela, pérola e
diamante. As pedras cortadas são
usadas para fazer anéis, pulseiras
e colares.
Hu passava o dia dentro de uma
oficina fechada, sentado ao lado
de outros cortadores e polidores,
trabalhando 12 ou até 18 horas por
dia. Seu trabalho gerava nuvens
de fumaça que ficavam paradas
no ar, mesmo quando as janelas
estavam totalmente abertas e os
ventiladores, ligados ao máximo.
""Era sempre escuro dentro da fábrica, não importa quanto sol
houvesse lá fora", ele conta. ""Era
como uma neblina espessa. Nós
nos acostumamos."
No final dos anos 90 Hu começou a sentir dificuldade em subir
escadas e levantar pesos. Ele passou a temer o inverno, quando
um simples resfriado era uma tortura. ""Se eu andasse rapidamente,
perdia o fôlego na hora", conta.
""Quando estava com frio, me sentia como se estivesse sufocando."
A silicose é uma doença pulmonar provocada pela exposição excessiva ao dióxido de silício existente em quartzo, minerais, pedras e areia. Embora seja uma
doença ocupacional conhecida há
muito tempo, apenas há pouco virou prioridade para as autoridades chinesas.
Apesar do que os operários da
Lucky descrevem como uma
campanha da empresa para negar
a existência do problema, as autoridades provinciais acabaram por
exigir que todos os funcionários
da empresa fizessem exame de
seus pulmões. Não se sabe ao certo quantos deles mostraram sinais da doença. Pelo menos 50
pessoas disseram ter ficado doentes na Lucky. A empresa começou
a contestar os pedidos de assistência médica de dezenas de empregados e, ao mesmo tempo, a instalar equipamentos para melhorar a
ventilação na fábrica.
Segundo a empresa, algumas
das pessoas que pediram indenização por doença são oportunistas que nunca trabalharam na
Lucky ou, na realidade, não sofrem de doença crônica alguma.
Ele reconheceu que empresa investiu US$ 1 milhão a partir de
2001 para melhorar a ventilação
na fábrica, mas disse que não foi a
primeira vez que ela tomou medidas para limpar o ambiente.
Os operários contam uma história diferente. À sombra da fábrica de Huizhou, ao som do guincho agudo das máquinas usadas
para recortar as pedras, cerca de
20 velhos amigos e colegas de Hu
vivem em quartinhos alugados de
restaurantes, lojas ou residências
particulares. Eles passam seus
dias enviando abaixo-assinados
ao governo e reunindo provas para usar contra a empresa.
""Nosso chefe só pensa no dinheiro em seu bolso", disse Liu
Huaquan, 39, ex-funcionário da
Lucky. Em 2001 ele se tornou o
primeiro da empresa a ter a silicose formalmente diagnosticada,
mas continua a brigar com ela até
agora e ainda não conseguiu compensação. ""Ele poderia dividir
uma pequena parte dos lucros
com os trabalhadores que ficaram
doentes, mas só usa seu dinheiro
para negar que nós existimos."
A Lucky tem negado o pagamento de indenização a outras
pessoas que trabalharam para ela
antes de 1997, o ano em que a empresa abriu a fábrica em Huizhou.
Tradução de Clara Allain
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