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RESENHA
Para crítico do "Times", autobiografia que chega hoje às livrarias reflete defeitos da Presidência do democrata
Livro de Clinton é "desleixado e complacente"
MICHIKO KAKUTANI
DO "NEW YORK TIMES"
O ex-presidente Bill Clinton é
capaz de eloqüência elevada e
pensamento visionário. Mas também é afeito à prolixidade maçante e autocentrada.
Infelizmente para o leitor, sua
muito esperada autobiografia,
"Minha Vida" (957 págs. Alfred
A. Knopf) guarda mais semelhanças com o segundo Clinton. O livro é desleixado, autocomplacente e, em muitos momentos, espantosamente maçante -como
um homem que tagarela sem parar, não falando com o leitor, mas
consigo mesmo e com algum distante anjo que registra a história.
Sob muitos aspectos, é um espelho da própria Presidência Clinton (1993-2001): falta de disciplina
que conduz ao desperdício de
oportunidades, altas expectativas
solapadas pela autocomplacência
e a concentração dispersa.
O livro de memórias destaca
muitos dos pontos fortes dos oito
anos que Clinton passou na Casa
Branca e sua compreensão do fato
de que governou durante um período de transição, altamente polarizado. Mas a própria falta de
ordem e foco que prejudica essas
páginas também impediu Clinton
de concentrar sua energia de maneira contínua para fazer com que
seus "insights" sobre a crescente
ameaça do terror e um acordo israelo-palestino rendessem frutos.
É claro que é fácil compreender
as enormes vendas antecipadas
que o livro vem tendo. Tudo leva a
imaginar que Clinton deve possuir o dom de escrever uma autobiografia fascinante: o dom da linguagem, a erudição e o charme,
associados às percepções de um
político nato sobre um mundo
complexo em um momento crucial, equilibrando-se entre as premissas da Guerra Fria e uma nova
era de interdependência global.
Adicione sua história de vida
improvável -uma montanha-russa angustiante de conquistas
precoces, deslizes autoprovocados e revezes ainda mais espantosos-, e temos todos os ingredientes de um livro fascinante.
Mas "Minha Vida" acaba degringolando numa mistureba de
anotações: em parte cartilha política, em parte confessionário, em
parte discurso de comício e em
parte arquivo presidencial, tudo,
ao que parece, escrito às pressas e
editado ainda mais às pressas.
Na realidade, mais lembra um
pastiche confuso de tudo o que
Clinton se lembrou e quis registrar por escrito. Ele chega a descrever o dia em que acordou às 4h
para assistir na TV à cerimônia de
posse do presidente da Nigéria.
Há litanias intermináveis sobre
refeições consumidas, discursos
proferidos, eleitores cumprimentados e fracassos perdoados. O livro contém algumas partes fascinantes sobre seus esforços para
negociar um acordo de paz no
Oriente Médio (em dado momento, ele dá a entender que Iasser Arafat parecia estar confuso,
sem o comando total dos fatos),
mas também descrições tediosas
sobre discussões políticas antigas,
no Arkansas, sobre taxas de licenciamento de carros e regulamentos de empresas públicas. Há algumas queixas reveladoras sobre
enganos cometidos no FBI, mas
também dezenas de divagações
sem sentido sobre assuntos como
mortos-vivos no Haiti e Pompéia.
Clinton admite que seu caso
com Monica Lewinsky foi "imoral e tolo", mas passa muito mais
tempo desancando seu adversário incansável, o promotor independente Kenneth W. Starr, e a
imprensa. Ele escreve com detalhes sobre sua percepção de que o
terrorismo era uma ameaça crescente, mas não trata das conseqüências não pretendidas da decisão tomada por seu governo de
pressionar o Sudão a expulsar
Osama bin Laden, em 1996
(quando o líder da Al Qaeda foi ao
Afeganistão, onde se tornou mais
difícil de rastrear) ou de lançar
ataques de mísseis contra alvos no
Sudão e no Afeganistão em retaliação contra os bombardeios de
embaixadas em 1998 -ato que,
para alguns especialistas em terrorismo, alimentou a convicção
dos terroristas de que os EUA
eram um gigante ineficaz.
Parte do problema que Clinton
está preocupado, no livro, em fortalecer -ou estabelecer- seu legado e, ao mesmo tempo, incentivar (ou não prejudicar) a carreira
política de sua mulher, a senadora
Hillary Rodham Clinton. Ele faz
um trabalho convincente quando
explica suas iniciativas mais bem-sucedidas, como a reforma da
Previdência e a redução do déficit,
mas o fracasso de sua iniciativa na
área da saúde, comandada por
Hillary, é passado rapidamente.
Em seu livro, Clinton assume
mais responsabilidade do que já
assumiu no passado por seu caso
com Lewinsky, as mentiras que
contou e os danos que tudo isso
causou à sua família e ao seu governo. Mas, assim como fez Hillary em seu livro, ele ainda passa
muito tempo criticando seus inimigos de direita pelos problemas.
Ao final, diz ele, o que reaproximou o casal foram as sessões semanais de terapia e a determinação de ambos de "lutar contra a
tentativa de golpe da direita".
Ele lança pouca luz nova sobre
sua relação com Hillary, observando só que sempre admirou
seu misto de idealismo e espírito
prático e que, num primeiro momento, ela hesitou quando ele a
pediu em casamento, sabendo
que "ser casada comigo seria uma
operação de alto risco sob mais do
que um aspecto". Em outro trecho, Clinton procura caracterizar
sua luta contra o impeachment
como "meu último grande confronto com as forças às quais me
opus durante toda minha vida"
-aqueles que defenderam a segregação no sul do país, se opuseram aos movimentos pelos direitos das mulheres e dos homossexuais e que acreditavam que o governo deveria ser exercido em benefício de setores específicos.
Comparadas a essas tentativas
bombásticas de defender sua reputação, o relato de sua juventude
no Arkansas possui um caráter
direto e emotivo que agrada, com
alguns instantâneos reveladores
de sua infância desajeitada: um
garoto gorducho e envergonhado
convivendo com um padrasto
violento e abusivo.
O primeiro presidente dos EUA
da geração dos "baby boomers"
sempre foi visto como alguém
que se definiu pelas lutas dos anos
1960 e a Guerra do Vietnã, decidido a desmistificar o cargo. Mas lido nestes tempos pós-11 de Setembro, o livro soa como algo de
uma era distante, mais inocente.
As mentiras sobre sexo e questões
imobiliárias parecem questões
que foram importantes e urgentes
em outra galáxia e outro tempo.
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