São Paulo, domingo, 22 de junho de 2008

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Ao romper com campo, Cristina alienou aliados que a elegeram

FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO

Para o analista argentino Andrés Serbin, a atual crise governo versus campo é a primeira batalha que os Kirchner temem perder desde que chegaram à Casa Rosada, em 2003.
O mais grave, diz ele, é que, ao atacar o campo em bloco, a presidente Cristina Kirchner atingiu parte do público que ajudou a elegê-la, vencendo as resistências na classe média urbana. "A presidente não conseguiu o voto majoritário nas cidades, mas no campo", cita ele, que é presidente da Coordenação Regional de Investigações Econômicas e Sociais. Leia a entrevista feita em São Paulo, onde Serbin participou de um seminário na semana passada.

 

FOLHA - Os Kirchner, afeitos à retórica inflamada, enfrentam a primeira batalha real desde 2003?
ANDRÉS SERBIN
- Esta é a primeira batalha na qual eles percebem que podem perder. Esse é o problema. Todos queríamos que atuassem no marco institucional. Para mim, se há 200 mil pessoas na Praça de Maio e cem mil em Rosário [pólo agropecuário] não significa nada. É uma arma de mídia, só.
Essa crise é fruto de uma decisão imposta, tomada por decreto, sem passar pelo Congresso. Aqui há um típico mecanismo da cultura política peronista, de tomar decisões verticais, sem construir consensos. Mas esse componente autoritário não é exclusividade peronista, o que dificulta o diálogo por todos os lados. E o mais grave é que estamos numa situação de polarização extrema que tem a ver com aqueles que levaram Cristina ao poder. A presidente não conseguiu o voto majoritário nas cidades, mas no campo. A ele se soma a classe média que já não votou em Cristina e se vê afetada pela economia, pela inflação. Há uma convergência de interesses: o campo se une ao descontentamento histórico das classes médias urbanas com o peronismo desta etapa.

FOLHA - O governo pôs campo e parte da cidade do mesmo lado, o que não é comum no país, certo?
SERBIN
- Além da economia, há outro fator. O campo não é mais o de há 30 anos. Não tem só latifundiários, tem os pequenos e médios produtores, a classe média do campo. Há toda uma tentativa de converter o campo em um partido político, de acusá-lo de ser golpista. As pessoas se irritam muito com isso. Na federação agrária [dos pequenos produtores], muitos vêm do peronismo. Esse jogo de branco e preto -que tem muito de [Hugo] Chávez- polariza muito a sociedade e não ajuda a melhorar a qualidade institucional. Mas Chávez tem habilidade política, sabe quando abrir mão da polarização.

FOLHA - E para o sr. os Kirchner não são habilidosos politicamente...
SERBIN
- Digamos que Santa Cruz não foi uma boa escola política [Província argentina onde Kirchner foi governador]. Há muito de paroquialismo.

FOLHA - Voltando à classe média. O que alimenta a bronca com o Kirchner, além da inflação?
SERBIN
- Muita gente não questiona a necessidade de redistribuição de renda que eles pregam, que está no discurso de taxar o campo, mas o problema é como. Se é por meio de um sistema político-clientelista ou por meio de planos efetivos. Uma das críticas do campo é porque o dinheiro retido não volta para o interior. É sobre federalismo. Para comparar, uma coisa é o Bolsa-Família, outra é trocar, como muitas vezes, subsídios por favores políticos.

FOLHA - De onde partem as vozes no peronismo contra os Kirchner?
SERBIN
- Na cultura do peronismo, quem manda manda mesmo. Mas quando começa a mostrar debilidade... É como em matilha de lobos: quando o macho mostra fraqueza, os demais já estão prontos para saltar em sua jugular. E há claramente fissuras no peronismo. Além do ex-presidente Duhalde, que estava esperando uma oportunidade, há os governadores, parlamentares e prefeitos, eleitos com o voto do campo. Dizem: bom, quando vierem as eleições legislativas de 2009, vão nos eleger de novo?


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