São Paulo, domingo, 22 de agosto de 2004

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ÁSIA

Ao preço do controle religioso, país busca legitimar ocupação por meio de crescimento anual de 12% e modernização social

China usa economia para se firmar no Tibete

CLÁUDIA TREVISAN
ENVIADA ESPECIAL AO TIBETE

Sob constante pressão do movimento pela independência liderado pelo dalai-lama, a China decidiu partir para o ataque e tentar legitimar sua presença no Tibete por meio do crescimento econômico e da modernização social.
O preço é a presença crescente de chineses da etnia han (majoritária na China), o controle rigoroso da religião e a liderança política absoluta do Partido Comunista, que adota o ateísmo como um dogma para seus integrantes.
Desde o fim dos anos 90, o governo elevou os investimentos na região e exibe indicadores positivos: a mortalidade infantil e o analfabetismo despencaram enquanto o PIB per capita e a expectativa de vida aumentaram.
A partir de 1999, a economia do Tibete se expandiu ao ritmo de 12% ao ano, acima da média nacional (perto de 9%). A intenção do governo é manter o passo nos próximos anos. Estradas, ferrovias e fábricas estão sendo construídas em diferentes cidades, ao mesmo tempo em que a entrada de estrangeiros é facilitada.
"O objetivo do governo é melhorar a qualidade de vida dos tibetanos, fazer com que eles sejam mais ricos e ganhem mais dinheiro", afirma Chen Xianshun, secretário de Proteção Ambiental do Partido Comunista no Tibete, da etnia han.
"Os tibetanos não pediram para ser ocupados e não pediram essas mudanças. Tudo isso é inútil se você não é livre", contesta o ativista de direitos humanos norte-americano Wenchuk Meston, tocando em um dos pontos mais delicados da presença da China na região, que é o direito à autodeterminação.
O ateísmo oficial do Partido Comunista se choca frontalmente com o misticismo do Tibete, onde a religião é o elemento fundamental de todas as manifestações culturais.
Apesar do conflito, as demonstrações de fé se desenvolvem sem problemas, desde que não tenham conotação política nem estejam ligadas a nenhum movimento considerado separatista pelo governo.
O símbolo da atividade proibida é o dalai-lama, o líder espiritual que, depois de uma rebelião reprimida pelo Exército chinês, deixou o Tibete em 1959 com centenas de seguidores e instalou uma administração paralela na Índia.
Apesar de ser considerado a reencarnação do Buda da Compaixão (Avalokitesvara) e o principal líder espiritual do Tibete, suas fotos estão banidas de monastérios, lojas e lugares públicos da região.
A imagem que aparece é a do 10º panchen-lama, que morreu em 1989 e tinha melhores relações com Pequim -o que não impediu que passasse anos na prisão durante a Revolução Cultural (1966-1976). O panchen é tido como a reencarnação do Buda da Infinita Luz (Amitabha) e é o segundo principal líder espiritual do Tibete.
A China sustenta que a região faz parte de seu território desde o século 13, o da dinastia mongol Yuan. Segundo o governo, a vinculação do território com o restante do país foi reafirmada ao longo da história, inclusive depois da revolução republicana que acabou com o império, em 1911.
O que os exilados classificam como "invasão" do Tibete é chamado pelo governo como "libertação pacífica do Tibete". Qualquer que seja o nome, a incorporação do Tibete à China comunista ocorreu em 1951, quando o Exército de Libertação Popular entrou na capital, Lhasa.
Além de afastar a ameaça de ocupação pelo Reino Unido, os chineses dizem que a "libertação" acabou com o regime feudal de servidão, ao qual estava sujeita cerca de 90% da população.
O governo de Pequim sustenta que, até 1951, não havia nenhuma escola laica no Tibete -a única forma de educação disponível era a religiosa, nos monastérios.
O analfabetismo era de 95%, afirma o tibetano Duo Ji Cai Wang, subdiretor do Departamento de Educação do Tibete. Hoje, a região tem 1.100 instituições de ensino em todos os níveis -incluindo quatro superiores- e o analfabetismo caiu para 34%.
A educação religiosa é proibida nas escolas, a menos que tenha caráter "científico" e seja apresentada no contexto histórico ou político.
O hábito das famílias de enviar pelo menos um filho para os monastérios budistas parece estar em baixa. "A economia está se desenvolvendo e podemos ganhar dinheiro de outras maneiras", afirma Labatuenzhu, 64, patriarca de uma família de 14 pessoas, cujos pais eram servos até a década de 50, escolhido pelo governo chinês para receber os jornalistas brasileiros convidados pelo governo.
Presidente da Campanha Internacional pelo Tibete, fundada em 1988, o norte-americano John Ackerly reconhece que a sociedade local tinha uma grande dose de arcaísmo até os anos 50, mas ressalta que é impossível afirmar como o Tibete estaria hoje se não tivesse ocorrido a invasão chinesa.
"A grande questão", afirma, "é que os tibetanos gostariam de confrontar os seus próprios problemas."


A jornalista Cláudia Trevisan viajou ao Tibete a convite do governo chinês

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