São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2006

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"Populismo é epidemia passageira"

Para especialista em Leste Europeu, nacionalismo na região é reação retardada a angústias nascidas com o fim do comunismo

Moralização é a arma da direita para conquistar a larga camada da população que perdeu seus parâmetros sociopolíticos, diz Smolar

CHRISTOPHE CHÂTELOT
DO "MONDE"

O polonês Aleksander Smolar é especialista em política do Leste Europeu no Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS), da França, e também presidente da Fundação Stefan Batory, de Varsóvia. Ele acredita que o populismo nacionalista seja uma epidemia passageira nesse conjunto de países em que a população mais humilde perdeu seus parâmetros com o fim do comunismo. Na Bulgária, pesquisas indicam que Volen Siderov, do Ataka (partido anti-semita), deve chegar hoje em segundo lugar nas eleições presidenciais. Na Lituânia a extrema direita tem 30% do eleitorado. Na Polônia e Eslováquia ela tem 20%. No Romênia chegou a 13%. As idéias em jogo são por vezes exóticas. Na Romênia, os extremistas querem o retorno às fronteiras pré-1939. Na Eslováquia, a minoria húngara se torna o bode expiatório de todos os males. Na Hungria, o líder da direita conservadora estampa em seu automóvel um mapa de seu país em 1920, com território maior que o atual. Aleksander Smolar compara a reconstrução do capitalismo a uma certa exaltação à amoralidade. É por isso que o moralismo e os valores nacionais baseados na religião são agora evocados por essa nova direita . Eis sua entrevista.

 

PERGUNTA - Há uma ascensão do populismo no Leste Europeu?
ALEKSANDER SMOLAR
- A resposta é negativa, caso a preocupação seja com um populismo radical. Mas o nacionalismo extremado se exprime hoje com liberdade maior, particularmente na Polônia, onde a coalizão no governo tem o Autodefesa, o Direito e Justiça e a Liga das Famílias Polonesas, partidos populistas. Os três criticam as elites e as instituições democráticas. Procuram descaracterizar ingredientes da democracia liberal.

PERGUNTA - Esses grupos são antidemocráticos?
SMOLAR
- Ainda não, por enquanto. Mas o Direito e Justiça, majoritário, resiste a tudo o que possa limitar o poder que obteve nas urnas. Seu ideal não é uma democracia controlada pelas instituições. Ele desencadeou, por exemplo, uma campanha contra magistrados que não aderiram ao governo. Os populistas tentam suprimir a autonomia do Banco Central e desqualificar moralmente os intelectuais. É como se estivessem numa "guerra civil".

PERGUNTA - Como explicar o sucesso das propostas populistas na Polônia e na Eslováquia?
SMOLAR
- Foi uma reação retardada às angústias nascidas com o final do comunismo, quando setores imensos da população sofreram pela perda de seus parâmetros materiais, políticos e sociais. Na Polônia, os irmãos Kaczynski (presidente e premiê) prometeram resolver todos os problemas por meio da moralização dos costumes, em lugar de elaborarem um programa econômico e social.

PERGUNTA - Como explicar que essas propostas tenham tanto apoio?
SMOLAR
- Os populistas do Leste Europeu procuram dar às pessoas confiança e dignidade, por meio de uma retórica nacionalista e religiosa. É o que seduz os mais humildes que mais sofreram com as reviravoltas econômicas e sociais. São os mais idosos, os camponeses, os de menor escolaridade. Na Eslováquia, a população puniu os dirigentes que permitiram crescimento econômico desde 1989. Elegeram populistas de esquerda. Não há nisso nenhum espanto. No Leste Europeu o processo de transformação foi uma revolução capitalista, individualista. "Enriqueçam-se", dizia o establishment. Não era algo moralizador, e isso levou à decomposição das sociedades.

PERGUNTA - Mesmo assim, a população aderiu à transição...
SMOLAR
- É verdade. Mas não foi um projeto negociado. Foi um projeto imposto pelas elites modernizantes. Essas elites não viam outra alternativa para ocidentalizar seus países. Hoje, no entanto, as populações rejeitam uma casta política que se dissociou delas.

PERGUNTA - Casta corrompida?
SMOLAR
- A corrupção era de certo modo inevitável em Estados construídos sobre as ruínas das instituições comunistas enfraquecidas e ineficientes. Com as questões econômicas minimamente resolvidas, a corrupção vira um problema central.

PERGUNTA - Os populistas não acreditam, em razão do nacionalismo, nas vantagens do ingresso na União Européia. Há alguma crise no horizonte?
SMOLAR
- Não. Os interesses desses países já estão visceralmente ligados às instituições européias. Nenhum desses partidos atua no sentido de um divórcio. Mas eles também se aprofundam no nacionalismo, sem que a União Européia tenha meios para gerar a crise nos modelos políticos do Leste Europeu.

PERGUNTA - Há o risco de propagação do populismo que represente um risco às democracias da região?
SMOLAR
- O nacionalismo é uma bandeira da classe política e não das populações. Além disso, em países como a Polônia ou a Eslováquia a democracia não está em perigo. O populismo nacionalista é uma epidemia passageira, uma pausa, um recuo sintomático de um certo cansaço. Precisamos permanecer atentos, sem dramatizar.


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