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Bolívia convoca referendos sobre Carta para janeiro
Acordo entre Morales e oposição modifica ao menos cem artigos do texto aprovado por governistas no ano passado
Presidente boliviano chora ao promulgar lei diante de milhares de partidários; para analista, pacto isola radicais dos dois lados
FLÁVIA MARREIRO
DA REPORTAGEM LOCAL
Após fechar amplo acordo
com a oposição parlamentar
para modificar ao menos cem
artigos da nova Constituição, o
governo do presidente esquerdista Evo Morales conseguiu
aprovar ontem no Congresso
da Bolívia a convocação dos
dois referendos que faltam para promulgar a Carta, seu principal projeto político.
Na praça Murillo, do lado de
fora do Legislativo em La Paz,
onde varou a noite para acompanhar as 18 horas da sessão
parlamentar ao lado de centenas de milhares de apoiadores,
Morales chorou antes de promulgar a convocação.
Os referendos sobre a Constituição acontecerão em 25 de
janeiro de 2009. Em 6 dezembro do ano que vem, uma vez
aprovado o texto, serão realizadas eleições para presidente,
vice, e para os novos parlamentares nacionais. "Sinto que esse
processo de mudança é sem retorno. Digam o que quiserem,
façam o que quiserem, já não
voltaremos ao neoliberalismo",
discursou Morales sobre a Carta que no preâmbulo cita tanto
Deus quanto a Pachamama, a
mãe terra para os indígenas,
62% da população.
O governo conseguiu os votos necessários para os referendos porque cedeu. Incorporou
desde mudanças de redação até
os principais pedidos do Podemos (direita), dono da maior
bancada opositora e controlador do Senado, e a autonomia
administrativa exigida pelos
governadores rebeldes liderados pelo rico departamento de
Santa Cruz. Esse desfecho era
considerado improvável até setembro, quando o país foi sacudido por violentas protestos
contra o governo que deixaram
ao menos 18 mortos, na fase
mais aguda da crise política.
"Já não é a Constituição totalitária, indígena. É a do Estado
de Direito, da nação boliviana,
da liberdade e da família", disse
à Folha o senador por La Paz
Luis Vázquez (Podemos).
Apesar das incorporações, os
governadores oposicionistas
evitavam endossar publicamente o acordo. O poderoso
Comitê Cívico de Santa Cruz,
bastião dos protestos anti-Morales que reúne a elite empresarial do país, criticou. Parlamentares de Santa Cruz, Pando
e Chuquisaca votaram contra a
lei em meio a ameaça de grupos
radicais em suas regiões.
"Foi um pacto de moderados. Conseguiu isolar os radicais dos dois lados. O governo
escolheu o soft power, e não
impor sua Constituição. Foi
um avanço muito grande que
abre, a princípio, uma perspectiva menos conflitiva nos próximos meses", diz o analista
boliviano Gonzalo Chávez.
"Aumentam também as expectativas na população. É uma
Carta avançada em termos de
direitos, mas, como dizemos, o
papel agüenta tudo. Não é o
que vai fazer a Bolívia acordar
menos pobre. O desafio agora é
concreto", anuncia ele.
Reeleição e terra
Por um arranjo legal, governo e oposição acordaram que o
Congresso tinha competência
para mudar o texto da Constituição, aprovada pela Assembléia Constituinte em um controverso processo em 2007 e
sem a presença do Podemos.
Foi decisivo para fechar o
pacto a desistência de Morales,
anunciada anteontem, de concorrer a dois novos mandatos
sob a nova Carta, que estabelece a reeleição (por só um período) na Bolívia. Pelo acerto, o
atual mandato do presidente,
eleito em 2005, entra na conta,
e ele só poderá disputar a eleição de 2009 para ficar no poder
até 2014. A proposta original,
também presente nas Cartas de
seus aliados de Venezuela e
Equador, lhe permitiria concorrer outra vez, com a perspectiva de governar até 2019.
Morales também cedeu num
ponto-chave: o regime fundiário. Um dos referendos de janeiro perguntará o limite de tamanho para as fazendas (5.000
hectares ou 10.000 hectares).
O texto deixa claro agora que
a regra não será retroativa, e os
governistas dizem que só serão
confiscadas terras não-produtivas, o que leva ao âmbito jurídico e dilata o processo. "É o tipo de coisa que já existe hoje e
demora séculos", diz Chávez.
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