São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 2002

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Preconceito empurra as "trans" para a prostituição, diz Camille

DE PARIS

Camille Cabral candidatou-se uma segunda vez, neste ano, a outro mandato: o de deputada. Na França, mandatos podem ser acumulados. Mas, desta vez, ela perdeu. "A direita foi mais forte", diz.
O centro-direita foi o grande vencedor das eleições presidenciais e legislativas de 2002 no país. A extrema direita também chegou muito perto do poder, quando Jean-Marie Le Pen, da Frente Nacional, conseguiu desbancar o socialista Lionel Jospin na corrida do segundo turno da campanha presidencial.
"Jospin perdeu porque os socialistas estavam cada vez mais próximos da direita. Ele deu as costas aos princípios da esquerda", analisa Camille, fazendo eco a uma análise hoje consensual sobre a derrota do Partido Socialista.
No poder, o centro-direita tem insistido em tomar fortes medidas contra a prostituição. O ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, pretende, no bojo de um polêmico programa de segurança pública, criar leis bastante restritivas ao trabalho sexual. Ele quer, por exemplo, punir com até seis meses de prisão e multa de 3.750 o proxenetismo e as prostitutas que abordem pessoas nas ruas. Deseja também ver aprovada uma lei que expulse as prostitutas estrangeiras do país.
As medidas afetam diretamente a vida das transexuais na França. Segundo cálculos do Pastt, grupo liderado por Camille, 70% dessas pessoas vivem da prostituição, sobretudo porque não conseguem encontrar empregos, devido à discriminação.
"Os gays foram assimilados pelo mercado de trabalho porque são mais organizados e são em maior número, se comparados a nós, as transgêneras. Eles têm um poder econômico muito superior ao nosso. Eles também não são tão discriminados no trabalho como as "trans". Ninguém tem escrito na testa que é "gay" quando vai pedir um emprego", diz.
Uma grande parte das transexuais na França é formada por imigrantes ilegais. "É uma imigração econômica. Elas vêm para cá por causa das dificuldades em seus países de origem e porque existe demanda." Há uma maioria de transexuais latino-americanas -principalmente do Equador (as brasileiras deixaram de ser predominantes desde a década de 90). As transexuais francesas formam o segundo maior grupo.
"A prostituição sempre existiu e sempre existirá. Lutar por sua regularização é todo um projeto político hoje", afirma Camille.
Não é bem isso o que faz o Pastt (Prevenção, Ação, Saúde, Trabalho para os Transgêneros), mas as reivindicações se entrecruzam.
Camille fundou o Pastt em 1992 junto com Pascale Ourby, uma elegante atriz que foi estrela do filme "Thelma" (2001), de Pierre-Alain Meier, inspirado aliás numa das mais famosas transexuais de São Paulo, Telma Lip.
Hoje, o Pastt é o grande centro de acolhimento das transexuais em Paris. Ali, elas podem obter informações e conselhos, assistência jurídica e médica, ajuda para encontrar moradia, formação e apoio para a inserção profissional -um pouco de tudo que precisam para tirar sua vida da mais completa marginalização e poder levar sua vida com dignidade e respeito, como qualquer pessoa.


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