São Paulo, segunda-feira, 23 de janeiro de 2006

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GUERRA SEM LIMITES

Terroristas controlam pelo medo e pela religião fronteira de 800 km entre Paquistão e Afeganistão

Bin Laden se protege em terra de ninguém

CARLOTTA GALL
E MOHAMMAD KHAN
DO "NEW YORK TIMES", EM PESHAWAR

O Exército do Paquistão começou a atuar há dois anos em regiões tribais de fronteira com o objetivo de localizar e combater membros da Al Qaeda e outros terroristas estrangeiros. Hoje, porém, autoridades paquistanesas que conhecem a região dizem que a campanha militar se encontra atolada, a administração política local é impotente e os terroristas estão mais fortes do que nunca.
Acredita-se que Osama bin Laden, que na semana passada divulgou nova fita com ameaças aos Estados Unidos, e seu adjunto, Ayman al Zawahiri, estão vivendo em algum ponto dos sete distritos que compõem essas áreas tribais, que se estendem por mais de 800 quilômetros ao longo da inóspita fronteira do Paquistão com o Afeganistão e que, nas últimas semanas, foram atingidas por ataques de mísseis americanos.
Os representantes paquistaneses dizem que possivelmente centenas de estrangeiros vindos de países árabes, da Ásia Central e do Cáucaso se juntaram a Bin Laden.
Jornalistas estrangeiros não têm acesso às áreas tribais, mas os representantes paquistaneses e alguns ex-moradores da região, que não quiseram se identificar por medo de represálias, disseram que os terroristas hoje fazem sua própria justiça, mantêm suas próprias prisões, assaltam bancos, lançam morteiros contra complexos militares e do governo civil e atacam comboios livremente.
Eles estariam recrutando homens das tribos locais e controlando a população através de um misto de medo e religião.
O general Shaukat Sultan, porta-voz principal das Forças Armadas do Paquistão, estimou o número de extremistas estrangeiros na área em cerca de cem.
Mas as autoridades e os moradores dizem que eles são em número bem maior e que lançaram uma campanha de terrorismo destruidor, especialmente no Uaziristão Norte e Sul: no último ano, segundo jornalistas locais, 108 líderes tribais favoráveis ao governo, quatro ou cinco funcionários, informantes e dois jornalistas foram assassinados.
Segundo as autoridades, agentes da Al Qaeda seriam a força que move os extremistas locais. O grupo conseguiu isso apesar da ação adotada pelas forças americanas, que pressionam desde o lado afegão da fronteira. Nas últimas seis semanas houve três ataques americanos na região, desferidos com mísseis disparados de aviões Predator, manejados por controle remoto e operados pela CIA. Mas não está claro se esses ataques foram expressão da frustração americana ou se foram lançados em função de informações recebidas.
Apesar de o governo negar, informantes dizem que os ataques podem ter contado com o apoio tácito do governo paquistanês, que os criticou apenas pró-forma.
O ataque mais recente foi lançado em Bajaur, em 13 de janeiro. A ação deixou até 18 civis mortos, mas pode também ter provocado a morte de vários membros de alto escalão da Al Qaeda.
A Associated Press informou que, no sábado, o presidente Pervez Musharraf disse ao subsecretário de Estado dos EUA, Nicholas Burns, que o ataque de 13 de janeiro "não deve se repetir".
Bajaur não está tão fora de controle quanto o Uaziristão Norte e Sul, mas se transformou em posto de passagem para combatentes que entram e saem da província afegã de Kunar, onde nos últimos 12 meses as forças americanas encontram resistência acirrada.
A unidade de propaganda da Al Qaeda tem produzido vídeos mostrando combatentes afegãos sendo treinados por um comandante árabe e montando emboscadas contra soldados e comboios americanos em Kunar. De acordo com o governador de Kunar, Asadullah Wafa, os afegãos sabem de dois comandantes árabes que combateram as forças soviéticas e que permaneceram em Bajaur.
A polícia afegã de fronteira disse que tomou conhecimento de uma reunião realizada numa mesquita de Bajaur, seis meses atrás, entre membros do Taleban afegão, um grupo liderado pelo comandante mujahidin renegado Gulbuddin Hekmatyar, do Afeganistão, e os árabes, durante a qual eles teriam feito a partilha da responsabilidade pelas ações insurgentes.
Os militares paquistaneses vêm agindo com mais cautela quando emergem de suas bases no Uaziristão Norte e Sul, e a administração civil é tão carente de funcionários que o mais alto representante do governo no Uaziristão Sul nem sequer vive na região.


Tradução de Clara Allain


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