São Paulo, sábado, 23 de janeiro de 1999

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UMA VISÃO PRÓ-PINOCHET
Advogado diz que o ex-ditador não pode ser responsabilizado por crimes ocorridos logo após o golpe de 73
Livro culpa "caos" por mortes no Chile

OTÁVIO DIAS
da Reportagem Local

O ex-ditador chileno Augusto Pinochet, 83, "não é culpado" pelas violações aos direitos humanos ocorridas nos primeiros meses após o golpe militar, em 1973. É o que diz o chileno Hermógenes Pérez de Arce, autor de um recém-lançado livro sobre o período.
Segundo o advogado e colunista do jornal chileno "El Mercurio", as mortes e os desaparecimentos no período, um dos mais violentos do regime militar no Chile (1973-90), ocorreram "espontaneamente" devido a rivalidades entre grupos opostos, num momento de divisão política.
"Pinochet não é santo, mas não é culpado. Sua responsabilidade foi a de não ter agido energicamente na defesa de seus adversários", diz Pérez de Arce, 63.
Os militares depuseram, em 11 de setembro de 1973, o então presidente Salvador Allende, eleito em 1970 numa coalizão integrada pelos partidos Socialista e Comunista. Nos anos que se seguiram, houve ações armadas por parte de grupos de esquerda.
O livro "Europa versus Pinochet: Processo Indevido" (edit. El Roble, 154 págs.) foi lançado no Chile no final de dezembro. No momento, o autor negocia sua publicação no Reino Unido e na Espanha.

Folha - Qual é o objetivo do livro?
Hermógenes Pérez de Arce -
Apresento um relato histórico do que acontecia no Chile em 1973 (ano do golpe militar), a partir de testemunhos feitos ao longo dos anos por pessoas que não fizeram parte do governo militar. No Chile, houve uma lavagem cerebral, pois à esquerda não interessa toda a verdade. Muitos chilenos, ao ler o livro, se surpreendem. "Eu não sabia disso", dizem.
Já na Europa, não se sabe praticamente nada. A visão que se tem sobre o Chile é formada pela Anistia Internacional (entidade pró-direitos humanos sediada em Londres), que armou todo o esquema que levou à detenção de Pinochet.
Folha - Quais os principais pontos de sua argumentação?
Pérez de Arce -
Mostro que existiam, no Chile dos anos 70, grupos armados de esquerda com grande poder militar. O que ocorreu na época do golpe não foi uma perseguição a grupos políticos, mas a grupos armados. Também analiso o tema dos desaparecidos políticos, que são cerca de mil. Mostro que alguns desapareceram na Argentina, sem provas de intervenção chilena. Mas há cerca de 800 que efetivamente desapareceram. Quase a metade, cerca de 380, desapareceu entre 11 de setembro de 1973 (data do golpe) e o mês de dezembro do mesmo ano, em ações que não tiveram nenhuma conotação de estratégia de governo.
Folha - Como assim?
Pérez de Arce -
O país estava dividido e havia muita rivalidade. Muitos dos que desapareceram haviam participado de atos de violência durante o governo Salvador Allende. É o caso, por exemplo, de camponeses que haviam tomado terras e acabaram eliminados por policiais ou fazendeiros.
Folha - No dia do golpe, milhares de pessoas foram detidas num estádio de Santiago. Os militares também não estavam a par disso?
Pérez de Arce -
É verdade. Mas, depois, os detidos foram liberados ou submetidos a processo. Houve um número de pessoas fuziladas. Mas as circunstâncias não estão claras. Havia um caos bastante grande. Entre setembro e dezembro de 73, 82 militares morreram nas mãos de elementos armados. Eles estavam sob ameaça e a resposta pode ter sido excessiva.
Folha - Segundo pesquisa publicada pela revista "Qué Pasa", 55% dos chilenos consideram que Pinochet tem toda a responsabilidade ou a maior parte da responsabilidade pelas violações, enquanto 20% dizem que ele tem pouca ou nenhuma responsabilidade. Qual é a responsabilidade do general?
Pérez de Arce -
Eu diria que ele foi responsável por não ter sido mais enérgico na defesa de seus adversários. Mas a mentalidade no Chile, em 1973, era que os militares estavam salvando o país do caos e do comunismo. Pinochet não foi um santo, mas não podemos julgar fatos ocorridos há 25 anos com critérios de hoje.
Folha - Como assim?
Pérez de Arce -
Há 25 anos, o tema dos direitos humanos quase não existia. Hoje os critérios e padrões éticos são muito mais claros. É bom que seja assim, mas não podemos aplicar essa ética a fatos ocorridos há 25 anos.



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