|
Próximo Texto | Índice
TRANSIÇÃO EM CUBA / O PAPEL DA IGREJA
Governo inaugura estátua de João Paulo 2º
Cerimônia em Santa Clara, hoje, simboliza nova proximidade entre o regime e Vaticano, após décadas de estranhamento
Cardeal Tarcísio Bertone,
secretário de Estado da
Santa Sé, reuniu na quinta
parte da cúpula do governo
comunista para uma missa
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A HAVANA
"Quem diria, enfim o comunista se aninhou no colo do inquisidor." Assim o motorista de
táxi Davi, pilotando o seu
Plymouth 1951 azul "quase novo" pelas ruas de Havana e com
a reportagem da Folha a bordo,
definiu o estado das relações
atuais entre o governo cubano
e o Vaticano dirigido pelo papa
Bento 16, ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé
(que foi, até 1908, o Tribunal da
Santa Inquisição). É que nunca
as relações entre os dois Estados foi tão próxima.
Hoje, o governo cubano levará em avião oficial o cardeal
Tarcisio Bertone, secretário de
Estado de Sua Santidade, para
a cidade de Santa Clara (cerca
de 300 km a leste de Havana),
onde inaugurará uma estátua
do papa João Paulo 2º, que
morreu em 2005 e cuja visita a
Cuba completa dez anos.
Santa Clara é um dos santuários mais importantes da hagiografia comunista. Local de
batalhas dos guerrilheiros comunistas que tomaram o poder
na revolução de 1959, a cidade é
também guardiã dos restos
mortais de Ernesto Che Guevara, o revolucionário morto na
Bolívia (1928 a 1967) e que foi
companheiro de batalhas de
Fidel Castro.
É ao lado da estátua monumental de Che -o pedestal tem
16 metros de altura- , que estará localizada a do papa João
Paulo 2º, herdeiro anticomunista do trono de Pedro de que
falaram as profecias de Nossa
Senhora de Fátima.
Na semana em que Fidel
Castro, 81, anunciou sua retirada do poder na ilha, e a poucos
dias da reunião da Assembléia
Nacional que, no domingo, escolherá o sucessor, um Vaticano hoje comprometido com o
fim do bloqueio econômico
americano enviou seu secretário de Estado para Cuba. A viagem já estava programada antes do anúncio de Fidel.
O "Granma", órgão oficial do
Partido Comunista Cubano,
em sua edição de ontem, festejou a presença do cardeal Bertone, reproduzindo as palavras
do chanceler cubano Pérez Roque, que salientou que "Cuba e
a Santa Sé concordam em diversos temas da agenda internacional".
Um Pérez Roque esquecido
da divergência capital entre
Cuba e o Vaticano no que diz
respeito ao aborto (que Cuba
mantém legalizado e o Vaticano condena) disse ter "posições
coincidentes [com a igreja]
quanto à critica ao consumismo e ao neoliberalismo e também quanto à proteção da família, dos valores espirituais e
da promoção cultural".
Presenças ilustres
Na quinta-feira, o cardeal
Bertone celebrou missa na praça da Catedral, um dos lugares
mais lindos de Havana Velha,
barroca do século 18. Fizeram
questão de assisti-lo 3.000 pessoas na praça e membros do birô político do Partido Comunista Cubano -ateu por definição desde Karl Marx-, como
Ricardo Alarcón, também presidente do Parlamento, Pedro
Sáez, primeiro-secretário provincial do Poder Popular, e Eumelio Caballero, vice-ministro
de Relações Exteriores. A televisão estatal de Cuba transmitiu ao vivo a missa.
Ontem à tarde, a praça ainda
estava decorada com pôsteres
de João Paulo 2ª abraçado a Fidel. "Mito agarrado a outro mito", afirmou sem acidez o garçon da Bodeguita del Medio,
tradicional bar local. Turistas
andavam na praça e consultavam os búzios em mães-de-santo fumando charutos propositadamente grandes -25
centímetros de comprimento.
A reportagem da Folha perguntou a uma delas: como fica
Cuba com a renúncia de Fidel?
Ela disse: "Que renúncia?"
Próximo Texto: No 1º artigo pós-renúncia, Fidel ataca críticas dos EUA e da UE Índice
|