São Paulo, sábado, 23 de fevereiro de 2008

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TRANSIÇÃO EM CUBA / O PAPEL DA IGREJA

Governo inaugura estátua de João Paulo 2º

Cerimônia em Santa Clara, hoje, simboliza nova proximidade entre o regime e Vaticano, após décadas de estranhamento

Cardeal Tarcísio Bertone, secretário de Estado da Santa Sé, reuniu na quinta parte da cúpula do governo comunista para uma missa

LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A HAVANA

"Quem diria, enfim o comunista se aninhou no colo do inquisidor." Assim o motorista de táxi Davi, pilotando o seu Plymouth 1951 azul "quase novo" pelas ruas de Havana e com a reportagem da Folha a bordo, definiu o estado das relações atuais entre o governo cubano e o Vaticano dirigido pelo papa Bento 16, ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé (que foi, até 1908, o Tribunal da Santa Inquisição). É que nunca as relações entre os dois Estados foi tão próxima.
Hoje, o governo cubano levará em avião oficial o cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado de Sua Santidade, para a cidade de Santa Clara (cerca de 300 km a leste de Havana), onde inaugurará uma estátua do papa João Paulo 2º, que morreu em 2005 e cuja visita a Cuba completa dez anos.
Santa Clara é um dos santuários mais importantes da hagiografia comunista. Local de batalhas dos guerrilheiros comunistas que tomaram o poder na revolução de 1959, a cidade é também guardiã dos restos mortais de Ernesto Che Guevara, o revolucionário morto na Bolívia (1928 a 1967) e que foi companheiro de batalhas de Fidel Castro.
É ao lado da estátua monumental de Che -o pedestal tem 16 metros de altura- , que estará localizada a do papa João Paulo 2º, herdeiro anticomunista do trono de Pedro de que falaram as profecias de Nossa Senhora de Fátima.
Na semana em que Fidel Castro, 81, anunciou sua retirada do poder na ilha, e a poucos dias da reunião da Assembléia Nacional que, no domingo, escolherá o sucessor, um Vaticano hoje comprometido com o fim do bloqueio econômico americano enviou seu secretário de Estado para Cuba. A viagem já estava programada antes do anúncio de Fidel.
O "Granma", órgão oficial do Partido Comunista Cubano, em sua edição de ontem, festejou a presença do cardeal Bertone, reproduzindo as palavras do chanceler cubano Pérez Roque, que salientou que "Cuba e a Santa Sé concordam em diversos temas da agenda internacional".
Um Pérez Roque esquecido da divergência capital entre Cuba e o Vaticano no que diz respeito ao aborto (que Cuba mantém legalizado e o Vaticano condena) disse ter "posições coincidentes [com a igreja] quanto à critica ao consumismo e ao neoliberalismo e também quanto à proteção da família, dos valores espirituais e da promoção cultural".

Presenças ilustres
Na quinta-feira, o cardeal Bertone celebrou missa na praça da Catedral, um dos lugares mais lindos de Havana Velha, barroca do século 18. Fizeram questão de assisti-lo 3.000 pessoas na praça e membros do birô político do Partido Comunista Cubano -ateu por definição desde Karl Marx-, como Ricardo Alarcón, também presidente do Parlamento, Pedro Sáez, primeiro-secretário provincial do Poder Popular, e Eumelio Caballero, vice-ministro de Relações Exteriores. A televisão estatal de Cuba transmitiu ao vivo a missa.
Ontem à tarde, a praça ainda estava decorada com pôsteres de João Paulo 2ª abraçado a Fidel. "Mito agarrado a outro mito", afirmou sem acidez o garçon da Bodeguita del Medio, tradicional bar local. Turistas andavam na praça e consultavam os búzios em mães-de-santo fumando charutos propositadamente grandes -25 centímetros de comprimento. A reportagem da Folha perguntou a uma delas: como fica Cuba com a renúncia de Fidel? Ela disse: "Que renúncia?"


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