São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 2006

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ESPANHA

Para Jorge Reverte, que estuda o conflito basco há três décadas, ETA ainda precisa dar muitas provas de que mudou de fato

É cedo para comemorar, afirma escritor

RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

O escritor e cineasta madrileno Jorge Martínez Reverte, 57, acha que ainda falta muito para saber se o cessar-fogo anunciado ontem pelo ETA é definitivo. E que caberá ao grupo, nos próximos meses, demonstrar que é para valer.
Reverte é um dos maiores conhecedores dos bastidores do grupo terrorista. Há 30 anos ele estuda o conflito basco. Primeiro, como jornalista da Televisão Espanhola e do jornal madrileno "El País". Depois, escreveu ensaios e dois romances sobre o ETA, que se tornaram best-sellers, e dirigiu documentários sobre os terroristas -o mais conhecido, "Yoyes", conta a história da líder que abandonou a organização e foi assassinada pelos antigos companheiros. Leia os principais trechos da entrevista dele à Folha.

 

Folha - Como o ETA pode garantir que quer depor as armas?
Jorge Reverte -
Antes, tem de deixar de extorquir os empresários bascos com a cobrança do "imposto revolucionário". O que vai ser difícil, porque essa é a maior fonte de renda do grupo. Depois tem que acabar de vez a violência urbana que os simpatizantes do grupo promovem no País Basco, um vandalismo sistematizado. O ETA se sustenta pelo medo, nas duas situações. Não deve haver trégua, nem anistia, aos terroristas presos. Se a polícia encontrar algum terrorista amanhã, tem que prender. É cedo para comemorar.

Folha - Nos últimos dois anos, não houve nenhum atentado do ETA com mortos. O grupo mudou depois dos ataques em Madri, pelos quais foi inicialmente culpado?
Reverte -
Com certeza. O ETA se cuidou mais. Há uma piada macabra aqui na Espanha que diz que o ETA viu que depois das bombas nos trens de Atocha, o terrorismo não é mais popular. Por outro lado, o ETA viu que o povo espanhol não ficou com medo depois dos atentados. O terrorismo não funcionou. A democracia saiu fortalecida.

Folha - A direita espanhola do Partido Popular, do ex-premiê José María Aznar, tem acusado o governo Zapatero de ser "brando" com os terroristas do ETA.
Reverte -
Se o cessar-fogo for para valer, será uma grande derrota para o Partido Popular. Os pactos antiterroristas sempre foram políticas de Estado, que uniram todos os partidos políticos. Só que quando a direita perdeu a eleição em 2004, decidiu partir para uma oposição brutal. E acusar o governo de ser brando, de negociar com o ETA. Mas todos os governos democráticos tiveram algum tipo de conversa com o ETA.

Folha - Como?
Reverte -
Sempre de forma clandestina e fora da Espanha. Até o governo do Partido Popular, na época de Aznar, manteve conversas com o ETA na Suíça. Os socialistas também fizeram isso algumas vezes. Para tomar o pulso, ver como anda o pensamento de uma organização tão subterrânea. Também tratam de assuntos mais práticos, como o remanejamento de prisioneiros do ETA.

Folha - Em seus inícios, quando era a cara mais violenta da oposição à ditadura franquista, o ETA tinha muitos simpatizantes. Hoje, qual é a simpatia ou a sustentação que o ETA ainda tem?
Reverte -
Hoje a popularidade do ETA é absolutamente marginal. A Espanha é uma democracia consolidada e os espanhóis são unidos contra o terrorismo. Mesmo no País Basco, os partidos que têm apoio do ETA não têm mais de 15% dos votos. Muitos deles são apenas separatistas, mas reprovam a violência.


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