São Paulo, domingo, 23 de março de 2008

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Cobertura estatal chinesa reforça ódio do "nós contra eles"

TV mostra tibetanos só como agressores e a maioria han como vítima; na internet, chineses seguem tendência oficial

Províncias com minorias são metade do território do país; Xinjiang, que abriga uigures muçulmanos, é rica em reservas de gás e carvão
DE PEQUIM

A cobertura que a tevê estatal chinesa tem feito dos protestos do Tibete reforça a imagem do "nós" contra "eles". São repetidas as imagens de lojas e mercados pertencentes a cidadãos han destruídos em Lhasa, a capital do Tibete. O choro de cidadãos chineses feridos merece destaque nos principais telejornais do país, perguntando-se "por que nós?".
Mas não há uma única cena que mostre tibetanos sofrendo repressão policial, nem nada sobre as mortes de cidadãos tibetanos, que o governo não reconhece (tibetanos no exílio falam em até cem mortes).
Apenas na quinta-feira, a agência estatal Xinhua informou que a polícia também atirou em manifestantes, na Província de Sichuan, mas não deu detalhes. Há pelo menos 120 tibetanos presos.
Na blogosfera chinesa, a divisão continua. São inúmeros os textos que acusam os tibetanos de "ingratos" e "preguiçosos", afinal a China tem investido muito no Tibete (e a Província era miserável e feudal até 1951, quando invadida pela China).

Segunda classe
"A tensão vai muito além da economia, há ressentimento das minorias que se julgam cidadãos de segunda classe, que têm menos direitos que os chineses han", disse à Folha Robbie Barnett, professor da Universidade Columbia (veja entrevista à pág. A16).
A Folha conversou com estudantes tibetanos que estão em Pequim. Fazem parte da elite provincial, pois seus pais puderam mandá-los fazer a universidade na capital.
Com medo de fazer qualquer comentário político, pediram anonimato. Mas revelaram que temem que, quando terminarem a universidade, terão mais dificuldades para conseguir um bom emprego por serem tibetanos. Dizem que há muito preconceito e que os chineses han sempre têm a prioridade.
E ainda dizem que, para os tibetanos, não há a válvula de escape do êxodo rural que existe em outras Províncias. Sem falar chinês, os camponeses tibetanos não conseguem emprego em outras regiões.
O espaço tibetano também foi desmembrado. Áreas de população tibetana hoje estão sob jurisdição de províncias como Qinghai, Sichuan e Gansu, onde protestos aconteceram após a repressão em Lhasa. Metade da população tibetana da China vive fora do Tibete.

Inundação étnica
Alguns especialistas chamam de "inundação étnica" o que a China tem feito nas últimas décadas, ao estimular que milhares de chineses han habitem as Províncias com algum risco separatista.
Em 1955, 90% da população da província de Xinjiang, no extremo ocidental do país, era formada por não-chineses, principalmente os muçulmanos sunitas hui e os xiitas uigures. Hoje, quase 60% da população é de origem han.
Na Mongólia Interior, a enchente étnica é maior: dos 23 milhões de habitantes, apenas 4 milhões são mongóis.
No Tibete, os assentamentos foram mais sutis por causa das condições geográficas da região, mas em Lhasa os principais negócios já estão nas mãos de chineses han.
Tibete e Xinjiang detêm mais de 22% do território chinês.
Se a situação geográfica do Tibete, que faz fronteira com a Índia, é estratégica para a China, Xinjiang, a Província onde a maioria dos muçulmanos chineses vive, é rica em reservas de carvão e gás. (RJL)


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