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"Paquistão não é Estado falido", diz escritor
Para correspondente veterano que testemunhou conflitos recentes no país, instituições resistem a terrorismo e sucessão de crises
Jason Burke critica ataques dos EUA a insurgentes no Paquistão; bombardeios, endossados por Obama, desestabilizam o aliado, diz
CLARA FAGUNDES
DA REDAÇÃO
O Paquistão não é um Estado
falido, diz o jornalista Jason
Burke. Nacionalista, conservador e religioso, o país passa ao
largo das expectativas de seus
aliados ocidentais, mas está
longe do abismo descrito por
alarmistas, afirma o autor de "A
Caminho de Cabul e Bagdá: Relatos dos Conflitos no Mundo
Islâmico" e "Al Qaeda: A Verdadeira História do Radicalismo
Islâmico", publicados no Brasil
pela editora Zahar.
Correspondente do jornal
britânico "The Guardian" e sua
versão dominical, o "Observer", Burke testemunhou os
principais eventos da última
década no Paquistão. Cobriu
ataques terroristas, a queda da
ditadura, o assassinato da ex-premiê Benazir Bhutto, levantes e protestos. Falando à Folha por telefone, do Afeganistão, ele critica as ações americanas contra radicais no país
aliado. "Quanto mais amplos os
ataques, mais desestabilizadores serão para o Paquistão."
FOLHA - O Paquistão é tido desde
os anos 70 como um Estado à beira
da falência, mas sobreviveu a crises,
secessão [Bangladesh, ex-Paquistão
Ocidental, declarou independência
em 1971], terrorismo, guerra e convulsão social. O que sustenta o Estado paquistanês?
JASON BURKE - No Paquistão, há
instituições que funcionam: o
Exército funciona, os órgãos
públicos funcionam em alguma
medida, os partidos políticos
operam com uma estrutura
complexa de mobilização social. É um erro considerar o Paquistão um "Estado falido".
A falência iminente do Paquistão foi prevista muitas vezes, mas jamais aconteceu. O
Estado provou ser incrivelmente resistente. Nos últimos
dois anos, lidou com o colapso
econômico, o fim de uma ditadura militar, a insurgência islâmica, levantes étnicos e a morte violenta da ex-premiê Benazir Bhutto, a mais popular líder
política do país. Mas as instituições sobreviveram.
FOLHA - O ícone da democracia no
Paquistão não é um ativista, mas
um funcionário público, o juiz Iftikhar Chaudhry. Por que o presidente
da Suprema Corte é tão popular?
BURKE - Chaudhry se tornou
símbolo de duas coisas: de um
Judiciário independente, pois a
Justiça no Paquistão sempre
foi profundamente politizada, e
da resistência ao poder arbitrário. Os protestos dos advogados
[que duraram dois anos, derrubaram a ditadura de Pervez
Musharraf e forçaram o governo a anunciar o retorno de
Chaudhry, formalizado ontem]
canalizaram o desejo de expressão política da classe média urbana.
É significativo que, no final, o
ex-premiê Nawaz Sharif (nacionalista e conservador) e os
advogados tenham se unido. A
base da Sharif é a classe média
urbana, mesma base do movimentos dos advogados e dos
partidos islamistas, que se juntaram em um bloco conservador razoavelmente coerente.
FOLHA - A restituição de Chaudhry
é uma derrota para o presidente Asif
Ali Zardari [que vetara seu retorno].
Mas o que representa para o Estado
paquistanês, a longo prazo?
BURKE - A conquista mais relevante dos manifestantes, a longo prazo, não foi o retorno de
Chaudhry, mas a revisão dos
amplos poderes da Presidência
[concedidos em 2003, sob a ditadura]. Zardari foi forçado a
fazer concessões. O Paquistão
deve adotar uma distribuição
de poderes mais equilibrada.
FOLHA - Zardari foi indicado para a
Presidência, mesmo sem experiência política, por ser viúvo de Benazir
Bhutto. Os laços de família são determinantes na política do país?
BURKE - Dinastias dominam a
política no Paquistão, mas isso
não é um fenômeno isolado.
Veja os Bush e os Clinton no
EUA, ou os Gandhi na Índia. O
sistema político paquistanês
tem muitos problemas, mas
não significa que não funcione.
FOLHA - Zardari resistirá à crise?
BURKE - Zardari teve um breve
momento de apoio [após a
morte da mulher, Benazir],
mas sua credibilidade se esvaiu. Ele é extremamente impopular no partido e no país.
Não creio que seu governo dure
muito, e Nawaz Sharif se beneficiará disso. Mas o ponto central desta crise é que as Forças
Armadas não intervieram.
Quanto mais o Exército se
mantiver afastado, melhor para a democracia.
FOLHA - Os EUA e o Reino Unido
pressionaram por um acordo entre
Zardari e Sharif, com quem sempre
tiveram relações difíceis. O que explica essa guinada?
BURKE - Sharif sempre foi visto
como um substituto ruim para
Benazir Bhutto. Conservador,
nacionalista e suspeito de vínculos com islamistas radicais,
ele não é um candidato ideal
para o Ocidente. Mas o que o
Reino Unido percebeu, e notei
isso falando com o chanceler
David Milliband, é que Sharif
representa uma tendência
muito forte no Paquistão. Não é
possível ignorá-lo.
FOLHA - Como o sr. vê os planos
dos EUA de ampliar os ataques aéreos a radicais no Paquistão?
BURKE - Os ataques americanos são extremamente impopulares e desestabilizam o governo paquistanês. O que os
EUA precisam avaliar é se matar líderes da insurgência compensa o estrago que provoca no
Estado paquistanês, a longo
prazo. Mas não há sinal de que
o governo de Barack Obama vá
reduzir o uso de mísseis.
FOLHA - A estratégia preliminar de
Obama prevê o aumento da ajuda
não militar e a abertura de novo
front na Província paquistanesa do
Baluquistão. O sr. acha que o auxílio
pode compensar o dano que os ataques causam à imagem americana?
BURKE - Quanto mais amplos
os ataques, mais desestabilizadores eles serão para o Paquistão. É um cálculo delicado.
Com os bombardeios, os EUA
fortalecem os insurgentes islâmicos (ao desestabilizarem o
governo) ao mesmo tempo que
os enfraquecem (matando seus
líderes). Não creio que ampliar
a ajuda a projetos de desenvolvimento reverta o antiamericanismo arraigado no Paquistão.
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