São Paulo, terça, 23 de março de 1999
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DIREITO DE MORRER
Julgamento de Kevorkian, acusado de assassinato, começou ontem; médico já auxiliou o suicídio de 130 pessoas
"Dr. Morte" assume sua defesa em processo

MARCELO DIEGO
de Nova York

Um juiz de Michigan garantiu ontem o direito do médico aposentado Jack Kevorkian, 70, o "Doutor Morte", de fazer a própria defesa no caso em que é acusado de assassinato em primeiro grau de Thomas Youk, 52, há dois anos.
Kevorkian é criador de uma máquina que permite a eutanásia (prática de abreviar a vida de pacientes com doenças terminais). Desde 1990, Kevorkian já teria ajudado cerca de 130 pacientes a se matarem.
Em todas as ocasiões, a decisão era do paciente -ele apertava um botão que permitia a injeção de substâncias letais em seu corpo.
Kevorkian já foi réu em dois processos de assassinato -ambos arquivados pela Justiça. Ele se vale do argumento legal de que não mata os pacientes. Todos os casos acontecem como suicídio.
Com Youk, porém, foi diferente. O paciente tinha um tipo de esclerose conhecida como mal de Lou Gehrig. A doença é progressiva, impedindo a vítima de falar, se alimentar ou se mover. Ela é fatal.
Kevorkian filmou a morte de Youk, que aparece na fita concordando com os termos do procedimento por duas vezes. É o médico que faz a aplicação do combinado químico na veia de Youk. Toda a cena é gravada em vídeo, até a morte do paciente.
A fita foi enviada ao programa jornalístico "60 Minutes", um dos mais assistidos do país, e transmitida em rede nacional em setembro do ano passado. Após a exibição, Kevorkian desafiou os promotores de Michigan a acharem qualquer procedimento ilegal no ato.
O promotor do Estado David Gorcyca aceitou o desafio e acusa o médico de dois crimes: suicídio assistido e assassinato em primeiro grau. Ele também afirma que o porte do combinado químico que permite a morte dos pacientes é proibido por lei (sete anos de cadeia seria a pena).
Se condenado, Kevorkian pode pegar prisão perpétua. Mesmo assim, ele vai se defender. "É o que eu planejei", disse à juíza Jessica Cooper. Ela o advertiu da complexidade das leis norte-americanas e do processo. "Eu não pretendo dizer mais nada senão a verdade", ele respondeu. "Há certos pontos que posso explorar melhor do que qualquer advogado", afirmou.
O julgamento, iniciado ontem, deve demorar no mínimo seis dias. A decisão será tomada por um júri composto por 80 pessoas. Kevorkian responde ao processo em liberdade (pagou fiança de US$ 750 mil). A família de Youk está ao lado do médico. Eles classificaram o ato de humanitário e uma vontade declarada do paciente.
Kevorkian disse que eutanásia e suicídio assistido não deveriam ser considerados crimes e que, se for preso, irá deixar de se alimentar até morrer.


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