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São Paulo, quarta-feira, 23 de abril de 2003

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Procissão tem importância política para os xiitas, que são maioria no Iraque e eram reprimidos por Saddam

Xiitas fazem peregrinação e atacam EUA

David Guttenfelder/Associated Press
Peregrinos xiitas fazem cortes em suas cabeças com espadas durante peregrinação ao templo do imã Hussein, na cidade de Karbala


DA REDAÇÃO

Batendo em seus peitos, chicoteando suas costas e gritando palavras de ordem contra os EUA, mais de 1 milhão de xiitas iraquianos e alguns vindos do Irã caminhavam ontem pela cidade sagrada de Karbala em uma peregrinação proibida durante décadas pelo ex-ditador Saddam Hussein.
A procissão tem grande importância política e religiosa. Apesar de serem maioria no Iraque, os xiitas viviam como cidadãos de segunda classe sob o governo da minoria sunita de Saddam.
Pelo menos um líder xiita pedira que a peregrinação de Karbala fosse usada como um protesto contra a dominação americana do Iraque. Alguns peregrinos entoaram slogans antiamericanos em seu caminho ao templo dourado do imã Hussein, ecoando um segundo dia de protestos anti-EUA por xiitas em Bagdá.
"Sim, sim ao islã, não à América, não a Israel, não ao colonialismo e não à ocupação", gritavam homens marchando atrás de um retrato de Mohammed Sadeq al Sadr, líder xiita morto em 1999.
A procissão a Karbala era proibida sob o governo secular de Saddam, que reprimia as práticas religiosas dos xiitas. A última grande celebração do Arbaain -clímax da cerimônia, que marca o 40º dia de luto pela morte de Hussein- terminou com forças de Saddam massacrando xiitas nas estradas que levavam a Karbala, em 1977.
Alguns homens fizeram cortes em suas cabeças com facas para mostrar sua disposição de morrer pelo imã Hussein, neto do profeta Muhammad, morto em uma batalha em Karbala no ano 680.
Helicópteros dos EUA sobrevoavam Karbala, mas soldados se mantiveram distantes, na periferia, esperando evitar fricções.
"Nossa intenção agora é ficar fora do caminho", disse o major Michael Purcell, do 1º Batalhão de Tanques dos marines em um posto de controle perto de Karbala.
Militares dos EUA afirmaram ter prendido seis homens que supostamente conspiravam para incendiar duas mesquitas na cidade. Cinco dos presos alegaram ser membros do partido Baath, de Saddam, e um afirmou fazer parte da rede terrorista Al Qaeda, de Osama bin Laden, disse o capitão Jimmie Cummings, porta-voz da 82ª Divisão Aérea dos EUA.
De acordo a TV árabe Al Jazeera, até 2 milhões de pessoas estavam em Karbala, 110 km ao sul de Bagdá, ou chegariam até o Arbaain, entre hoje e amanhã.
Os xiitas representam 60% dos cerca de 23 milhões de iraquianos, mas eram reprimidos por Saddam, um sunita, como a maioria no resto do mundo árabe. O trânsito parou em Karbala enquanto os peregrinos, muitos dos quais com peitos e cabeças sangrando, caminhavam sob um calor intenso. Muitos tinham curativos de gaze ensanguentados pois chicoteavam repetidamente as feridas. Outros mancavam e faziam expressões de dor após caminhar até Karbala. Médicos em clínicas improvisadas lancetavam bolhas nos pés dos peregrinos.
Mohammed Jabal, um ex-soldado de 55 anos de idade, mancou mais de 100 km para chegar a Karbala, apesar de um de seus pés ter sido explodido por uma mina na guerra Irã-Iraque, nos anos 80.
"Essa é minha primeira vez aqui. É como se eu tivesse acordando de um pesadelo", disse Jabal, apoiando-se em uma bengala e enxugando o suor de seu rosto.
Alguns homens agitavam bandeiras pretas, representando o luto. Outros carregavam a bandeira verde do islã na procissão.
Vendedores de rua empurravam carrinhos, oferecendo refrigerantes. Mulheres vestidas de preto acenavam das calçadas, e crianças jogavam água de rosas nos peregrinos para refrescá-los.
Muitos peregrinos entraram ontem no templo do imã Hussein. Alguns jogaram-se de joelhos ao entrar, rezando, e outros choravam, com a cabeça entre as mãos.

Com agências internacionais


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