São Paulo, sexta, 23 de maio de 1997.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

APÓS A VITÓRIA
Para derrotar um isolado Mobutu, Laurent Kabila contou com apoios étnicos e políticos de seus vizinhos
Guerra expõe alianças da África central

RODRIGO LEITE
da Redação


A guerra civil no antigo Zaire trouxe à tona as tensões -étnicas e políticas- entre os países da África Central. Diplomaticamente, Mobutu Sese Seko, durante a Guerra Fria uma importante peça política da área, acabou seus quase 32 anos de governo totalmente isolado.
Na fronteira leste, berço da revolta de Kabila, falou mais alto a questão étnica. Os dois governos tutsis da região (Ruanda e Burundi) foram parceiros de primeira hora do levante dos banyamulenges contra os hutus.
A razão é simples. Os banyamulenges, núcleo principal da guerrilha que chegou ao poder, são uma subetnia dos tutsis com mais ligação com Ruanda e Burundi do que com o Zaire -para muitos zairenses, eles são "estrangeiros".
A rebelião começou como continuação das guerras de Burundi e Ruanda. Quando os hutus perderam o controle de Ruanda, em julho de 1994, mais de 2 milhões deles se refugiaram nos países vizinhos -inclusive no leste do Zaire.
Entre eles havia militares do regime ruandês deposto, acusados de promover o genocídio de até 1 milhão dos rivais tutsis e hutus moderados no início do conflito.
Durante mais de dois anos, jogando com o temor de vingança na volta para casa, esses militares impediram o retorno dos refugiados.
Em 7 de outubro do ano passado, o governo zairense anunciou que os banyamulenges deveriam deixar o país em uma semana.
Aí entra a aliança política que levou à queda de Mobutu: Laurent Kabila (que não é tutsi, mas baluba) mantinha havia décadas os planos da rebelião contra Mobutu e se valeu da revolta dos banyamulenges e os recrutou para a guerra.
Apoio externo
O começo do avanço de Kabila foi facilitado pelo apoio militar fornecido pelos governos de Ruanda e Uganda. Esses países negam, mas a diplomacia ugandense, por exemplo, admite que os assuntos daquela região são tratados como "política interna", já que as fronteiras foram traçadas pelos europeus durante a colonização -isto é, para os ugandenses, trata-se de "um só povo".
Estava fechado o cerco contra o presidente no leste, que representou o começo da guerra. Mas, conforme Kabila avançou rumo a Kinshasa, entrou em jogo a herança da Guerra Fria: as facções que disputaram a guerra civil angolana, hoje desmobilizadas e parceiras em um governo de união nacional, entraram no conflito.
O MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola), que comanda o governo, apoiou os rebeldes de Kabila -ambos os grupos têm ligação com a esquerda.
A Unita (União Nacional para a Independência Total de Angola) mandou homens em apoio ao governo do Zaire -onde há décadas a Unita instalou bases. Tanto Mobutu quanto a Unita, no passado, se valeram do apoio dos EUA.
A Unita e o MPLA negam a intervenção, mas a conquista de Kenge foi o ponto mais difícil da guerra devido à ação dos angolanos ao lado de Mobutu. Mesmo assim, a Unita retirou seus homens quando viu que Mobutu não resistiria.
Desamparado
Restava então a Mobutu o apoio dos vizinhos do norte. Eles não se dispuseram. No começo do mês, já muito desgastado, Mobutu foi ao Gabão participar de uma cúpula com líderes de Congo, Camarões, República Centro-Africana, Guiné Equatorial, Chade e Gabão.
Mobutu achava que sairia de lá com apoio regional. O máximo que conseguiu foi uma declaração de apoio a uma transição pacífica.
Anteontem, o vice-presidente sul-africano, Thabo Mbeki, disse que 11 países africanos estiveram dispostos a dar apoio militar a Mobutu, mas que a África do Sul os demoveu -Mbeki citou Togo, Marrocos e Nigéria.
No final da crise, a África do Sul já apoiava claramente a saída de Mobutu e um governo de transição. A avaliação sul-africana, segundo relatou Mbeki, era de que o conflito do Zaire pudesse se espalhar pelo resto do continente, com consequências imprevisíveis.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright 1997 Empresa Folha da Manhã