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Herdeira dos Bhutto vira voz opositora
Fatima, sobrinha da premiê assassinada Benazir, relata em livro histórias da influente família paquistanesa
Jovem afirma que, ao escrever memória, se aproximou do pai, um parlamentar morto com tiros da polícia em 1996
LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL A LONDRES
A voz de Fatima Bhutto, alta e clara para falar de seu
país, o Paquistão, diminui a
pouco mais de um sussurro
quando fala do pai.
Murtaza foi assassinado
em 1996, quando sua irmã,
Benazir, era presidente. Então com 14 anos, Fatima ouviu os tiros oculta em um closet com irmão caçula no colo.
Os fantasmas a rondam
desde então. Não só o do pai,
mas de outras assombrações
de sua família, cuja trajetória
política e a tragédia particular espelham a história paquistanesa recente em uma
lista de obituários.
O avô de Fatima, Zulfikar,
foi executado pelo general
golpista Muhammad Zia ul
Haq em 1979, quando ela não
era nascida. O tio Shahnawaz foi morto em 1985, 11
anos antes do irmão. E a tia
Benazir tombou com três tiros ao deixar um palanque
em Rawalpindi em 2007.
O marido de Benazir, Asif
Ali Zardari, a quem Fatima
dedica palavras como "oleoso" e "corrupto", é hoje o presidente paquistanês.
São esses fantasmas que
fazem dessa moça pequena,
não muito mais do que 1,60
m, uma das vozes críticas
mais fortes de seu país nos
últimos tempos.
"Se entrasse na política,
não teria a liberdade que tenho em criticar", diz à Folha.
"A política paquistanesa tolhe a mudança."
VOCAÇÃO
A longa conversa por telefone aconteceu após um rápido encontro em Londres
dias antes, quando Fatima
apresentara ao público local
as acusações e histórias de
família de seu "Songs of
Blood and Sword" (canções
de sangue e espada; sem lançamento no Brasil).
Expondo no palco seu Paquistão (ela nasceu no Afeganistão, no exílio, mas foi adolescente para Karachi), sua
figura cresce sobre os altíssimos escarpins de onça.
As mãos de unhas benfeitas se agitam e vão parar no
bolso da calça justa somente
quando volta a falar do pai.
Fatima diz que não quer
ser política, mas já o é profundamente e em cada gesto,
frase, linha.
Circula por Karachi, Nova
York, Londres e onde seu ativismo a levar, o que rendeu
fofocas lhe atribuindo um
namoro com George Clooney. "Você fala de política e
vê seu nome ligado a coisas
pequenas do dia a dia. Parece uma forma de tirar o peso
do que digo", reclama.
Afirma não crer em política dinástica e que seu nome
não a qualifica para nada.
FARDO
Às vezes, diz, ser uma
Bhutto é um percalço.
Embora política sempre tenha sido a história de sua família, ela e o irmão não foram
criados com a meta de serem
premiês. Buscaram vida normal, embora soubessem precisarem "virar alguém".
O tio no poder lhe dá desgosto. Para ela, é Zardari
-sob a anuência da mulher- o responsável pela
morte de seu pai, cravado por
tiros da polícia na porta de
casa.
E aí ela conta no livro: dias
antes, sugerira ao pai que escrevesse suas memórias, ao
que ele respondera que essa
tarefa caberia a ela. Mas só
após sua morte, pois antes
seria muito perigoso. "Só não
imaginei que teria de fazer isso tão cedo", diz.
Aonde Murtaza chegaria
não há como dizer. Críticos
acusam de terrorista o movimento que ele dirigiu com o
irmão após a queda do pai.
Mas sua voracidade tinha
apoio popular, o que poderia
projetá-lo na oposição hoje.
Com o livro, ela diz que
resgatou sua memória de filha. O pai nesse intervalo se
resumia a um mártir, "um
homem morto por quem tínhamos de pedir justiça".
Desenterrando sua história, reencontrou o sujeito de
carne e osso. "Hoje", diz baixinho, "ele está mais perto de
mim do que nunca."
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