São Paulo, domingo, 23 de maio de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Herdeira dos Bhutto vira voz opositora

Fatima, sobrinha da premiê assassinada Benazir, relata em livro histórias da influente família paquistanesa

Jovem afirma que, ao escrever memória, se aproximou do pai, um parlamentar morto com tiros da polícia em 1996

LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL A LONDRES

A voz de Fatima Bhutto, alta e clara para falar de seu país, o Paquistão, diminui a pouco mais de um sussurro quando fala do pai.
Murtaza foi assassinado em 1996, quando sua irmã, Benazir, era presidente. Então com 14 anos, Fatima ouviu os tiros oculta em um closet com irmão caçula no colo.
Os fantasmas a rondam desde então. Não só o do pai, mas de outras assombrações de sua família, cuja trajetória política e a tragédia particular espelham a história paquistanesa recente em uma lista de obituários.
O avô de Fatima, Zulfikar, foi executado pelo general golpista Muhammad Zia ul Haq em 1979, quando ela não era nascida. O tio Shahnawaz foi morto em 1985, 11 anos antes do irmão. E a tia Benazir tombou com três tiros ao deixar um palanque em Rawalpindi em 2007.
O marido de Benazir, Asif Ali Zardari, a quem Fatima dedica palavras como "oleoso" e "corrupto", é hoje o presidente paquistanês.
São esses fantasmas que fazem dessa moça pequena, não muito mais do que 1,60 m, uma das vozes críticas mais fortes de seu país nos últimos tempos.
"Se entrasse na política, não teria a liberdade que tenho em criticar", diz à Folha. "A política paquistanesa tolhe a mudança."

VOCAÇÃO
A longa conversa por telefone aconteceu após um rápido encontro em Londres dias antes, quando Fatima apresentara ao público local as acusações e histórias de família de seu "Songs of Blood and Sword" (canções de sangue e espada; sem lançamento no Brasil).
Expondo no palco seu Paquistão (ela nasceu no Afeganistão, no exílio, mas foi adolescente para Karachi), sua figura cresce sobre os altíssimos escarpins de onça.
As mãos de unhas benfeitas se agitam e vão parar no bolso da calça justa somente quando volta a falar do pai.
Fatima diz que não quer ser política, mas já o é profundamente e em cada gesto, frase, linha.
Circula por Karachi, Nova York, Londres e onde seu ativismo a levar, o que rendeu fofocas lhe atribuindo um namoro com George Clooney. "Você fala de política e vê seu nome ligado a coisas pequenas do dia a dia. Parece uma forma de tirar o peso do que digo", reclama.
Afirma não crer em política dinástica e que seu nome não a qualifica para nada.

FARDO
Às vezes, diz, ser uma Bhutto é um percalço.
Embora política sempre tenha sido a história de sua família, ela e o irmão não foram criados com a meta de serem premiês. Buscaram vida normal, embora soubessem precisarem "virar alguém".
O tio no poder lhe dá desgosto. Para ela, é Zardari -sob a anuência da mulher- o responsável pela morte de seu pai, cravado por tiros da polícia na porta de casa.
E aí ela conta no livro: dias antes, sugerira ao pai que escrevesse suas memórias, ao que ele respondera que essa tarefa caberia a ela. Mas só após sua morte, pois antes seria muito perigoso. "Só não imaginei que teria de fazer isso tão cedo", diz.
Aonde Murtaza chegaria não há como dizer. Críticos acusam de terrorista o movimento que ele dirigiu com o irmão após a queda do pai.
Mas sua voracidade tinha apoio popular, o que poderia projetá-lo na oposição hoje.
Com o livro, ela diz que resgatou sua memória de filha. O pai nesse intervalo se resumia a um mártir, "um homem morto por quem tínhamos de pedir justiça".
Desenterrando sua história, reencontrou o sujeito de carne e osso. "Hoje", diz baixinho, "ele está mais perto de mim do que nunca."


Texto Anterior: No basquete, Irã aceita presença americana
Próximo Texto: "Somos uma potência nuclear sob as ordens dos EUA'
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.