São Paulo, sábado, 23 de junho de 2007

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Diário do PC francês, decadente, planeja mudança

Sede atual foi projetada por Oscar Niemeyer para abrigar "L'Humanité", que perde leitores e cogita romper vínculos com partido

MARION VAN RENTERGHEM
DO "MONDE"

Na rua Jean-Jaurès, em Saint-Denis, uma grande silhueta recurva de concreto e vidro revela o vazio em sua alma. A sede de "L'Humanité", símbolo do Partido Comunista francês e parte do patrimônio arquitetônico, erigida em 1989 com base em projeto do arquiteto Oscar Niemeyer para abrigar o diário fundado por Jaurès, está a ponto de ser vendida.
O mesmo Niemeyer projetou a sede do Partido Comunista, na praça Colonel-Fabien, em Paris, com sua famosa semi-esfera futurista em concreto branco. "Fabien" não está à venda. No "L'Humanité", o caso é mais urgente.
O jornal já conheceu outras crises. Um ano depois de sua criação, em 1904, o diário estava ameaçado de desaparecer. "Estamos no fim de nossas forças", escreveu Jaurès em 1906. No Congresso de Tours, em 1920, o jornal inventado pelo pai fundador do socialismo francês (assassinado em 1914) se tornou o órgão oficial dos comunistas. Hoje, "L'Humanité" e seus 60 jornalistas continuam em crise. Mas o declínio é duplo: a imprensa francesa e o Partido Comunista estão ambos ameaçados de extinção.

Decadência do partido
Enquanto o PCF agoniza, "L'Humanité" passa mal. A queda na circulação (51,9 mil exemplares ante média de 150 mil nos anos 70) segue o ritmo da decadência do partido. "Publicar "L'Humanité" quando o partido obteve 1,9% dos votos nas eleições presidenciais? Não há saúde para isso", diz Claude Cabanes, editorialista e ex-diretor de redação.
Para sobreviver, o jornal precisa abandonar a ligação com o PCF. Teoricamente, todo mundo parece estar de acordo. "Devemos neutralizar nosso relacionamento com o PC", afirma o diretor Patrick Le Hyaric. ""L'Humanité" deve agora representar o debate de toda a esquerda sobre a transformação social", diz o diretor de redação Pierre Laurent.
Será que "L'Humanité" pode se tornar o jornal comum da esquerda da esquerda? Jean-Luc Mélenchon, da ala esquerda do Partido Socialista, acredita na possibilidade. "Precisamos de um jornal de referência. O "Libération" se tornou liberal, e o "Humanité" está seguindo nos mesmos trilhos que nós." Certos desdobramentos, como a rejeição à Constituição européia ou os debates sobre uma candidatura de esquerda unida, servem como fator de união. No resto do tempo o jornal atende aos interesses do principal acionista: o partido.
No entanto, o jornal mudou, oferecendo indicações de distanciamento em relação ao PC assim que o desmantelamento do partido se tornou claro, nos anos 90. Os jornalistas não são mais necessariamente membros do partido. Com o design adotado em 1999, a mudança se tornou mais radical, com a remoção da foice e do martelo da primeira página.
Mas "L'Humanité" continua a carregar a imagem do PCF, seu orgulho e seu fardo. A direção do jornal é apontada pelo partido, e o partido conta com os favores do jornal. Patrick Le Hyaric, diretor, e Pierre Laurent, diretor de redação, são membros do conselho do PCF. Será que seria melhor romper essas conexões orgânicas? "Por que fazê-lo?", diz Michel Laurent. Já Pierre diz acreditar que sim. Na redação, houve críticas sérias à cobertura das eleições. "Fizemos propaganda por meses", dizem alguns jornalistas.
E os leitores também têm seus hábitos. O novo "Humanité" de 1999, ao tentar conquistar um novo público, antagonizou tanto o partido, dirigido então por Robert Hue, quanto o eleitorado. Em 2000, suas vendas despencaram. O partido alterou o comando do jornal. A nova equipe conseguiu recuperar a circulação, mantendo as tiragens. Pierre Laurent não hesita em dizer que "caso a separação do Partido Comunista me garantisse milhares de novos leitores, não hesitaria". A sede em Saint-Denis, avaliada em 11 milhões em 1997, é o único ativo de que "L'Humanité" dispõe. Laurent diz que "uma oportunidade interessante" está em estudo, e não exclui a possibilidade de que o jornal alugue parte do imóvel.
Será que isso permitirá que o jornal explore a sua nova avenida, a das esquerdas unidas? Isso dependerá também da recomposição, ou não, das esquerdas. E requererá que o jornal não se transfira, como alguns boatos murmuram, para a sede do partido na praça Colonel-Fabien...


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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