São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2004

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ÁSIA

Pequim usa data para ressaltar que abertura na economia não chegará à política

China lembra 100 anos de Xiaoping

Cláudia Trevisan/Folha Imagem
Chineses visitam exposição em homenagem a Deng Xiaoping (na tela), em museu de Pequim


CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM

A China comemorou ontem o centenário de nascimento de Deng Xiaoping com um recado implícito: o arquiteto das reformas capitalistas era um ardoroso defensor do regime comunista e não estava inclinado a levar à política a abertura que implementou na economia.
A lembrança da resistência de Deng a movimentos democráticos "burgueses" foi feita pelo ex-primeiro-ministro Li Peng, apontado como principal responsável pelo massacre de estudantes na praça Tiananmen em 1989, que deixou centenas de mortos.
Em artigo publicado recentemente na revista oficial do Partido Comunista, Li afirma que Deng apoiou de maneira "resoluta" a repressão do Exército aos estudantes, "com a visão de um grande revolucionário e político". A versão é confirmada por um dos principais especialistas contemporâneos em China, Jonathan Spence, em seu livro "Em Busca da China Moderna".
A trajetória de Deng como veterano do Partido Comunista e um dos principais atores da guerra civil que levou à fundação da República Popular da China, em 1949, é o centro da exposição sobre sua vida em cartaz no Museu Nacional da China. Vista por cerca de 1.000 pessoas a cada dia, a mostra destaca a "magnífica carreira revolucionária" do que é considerado "um dos membros-chave da primeira geração de líderes do Partido Comunista da China".
Visto como ótimo estrategista militar, Deng sobreviveu aos anos de perseguição da Revolução Cultural (1966-1976) e emergiu em 1978 como o líder que apontaria o caminho da recuperação econômica da China depois da devastação provocada pelos últimos anos de comando maoísta.
O momento crucial dessa nova etapa do país foi a 3ª Sessão Plenária do 11º Comitê Central do Partido Comunista, realizada em dezembro de 1978. Nela, Deng defendeu a abertura da China ao mundo e a modernização de sua economia. Desde então, o PIB do país tem crescido a uma média de 9% ao ano, comparados a 2% da fase anterior.

"Grande marxista"
A atuação de Deng durante as manifestações de 1989 foi elogiada ontem pelo presidente Hu Jintao, no discurso que fez no Grande Palácio do Povo na cerimônia em homenagem ao centenário.
Hu lembrou o ex-líder como "grande marxista, grande revolucionário proletário, estadista, estrategista militar, diplomata, lutador comunista longamente testado" e "arquiteto-chefe da abertura, modernização e reformas do socialismo chinês".
Depois da morte de Mao Tse-tung, em 1976, Deng venceu a disputa política com o "Bando dos Quatro", do qual fazia parte a viúva de Mao, Jiang Qing, e passou a defender o desenvolvimento como caminho para a sobrevivência do socialismo na China.
Deng começou sua reforma pelo campo, onde estão concentrados dois terços da população chinesa. O governo acabou com as comunas agrícolas do tempo de Mao, autorizou formas semiprivadas de propriedade e permitiu que os agricultores vendessem no mercado parte de sua colheita. Em conseqüência das reformas, a produção agrícola triplicou.
Três anos depois, a abertura foi estendida às cidades, com a criação de Zonas Econômicas Especiais na costa leste, nas quais havia incentivos para investimentos estrangeiros, mais tarde adotados em outras áreas do país. Duas décadas depois, a China havia atingido as metas traçadas por Deng no início das reformas, entre as quais estava a multiplicação por quatro do PIB.
A limitação das reformas ao campo econômico também ficou clara em discurso que Deng proferiu em março de 1979, no qual defendeu a realização das mudanças de acordo com "Quatro Princípios Cardeais": liderança do Partido Comunista, ditadura do proletariado, respeito às teorias marxista-leninista e maoísta e manutenção do socialismo, com "oposição à liberalização burguesa ao capitalismo".
Antes de sua reabilitação, em 1976, depois da morte de Mao, Deng havia passado os anos mais difíceis de sua vida. Em 1966, perdeu todos os cargos que tinha no partido e foi enviado a uma vila, na qual ficou seis anos sob vigilância fazendo trabalhos manuais em uma oficina de tratores.
Como Mao, Deng tem uma história pessoal que se confunde com a do Partido Comunista e a fundação da República Popular da China, em 1949. Nascido em 1904 em uma família de proprietários de terra, Deng descobriu o marxismo-leninismo em Paris, para onde foi aos 16 anos em um programa de trabalho e estudos.
Entrou para a Juventude Comunista Chinesa na França aos 18 anos e logo passou a assumir postos de liderança na organização. Em 1926, ficou um ano em Moscou, sede do movimento comunista da época, recebendo treinamento revolucionário.
No ano seguinte, voltou à China e mergulhou no trabalho de organização partidária e de luta contra a invasão japonesa e os nacionalistas chineses, que só acabaria com a fundação da República Popular da China, em 1949.


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