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Ópio alimenta engrenagem da guerra afegã
Fora do poder, Taleban fez aliança tática com o tráfico de heroína, que movimenta US$ 5 bilhões ao ano e avança no caos do país
Governo do Afeganistão diz que erradicação da papoula, matéria-prima da droga,
é inócua e cobra ajuda "verdadeira" do Ocidente
Julie Jacobson-16.jul.09/Associated Press
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Policiais erradicam plantação de papoula no Afeganistão, cuja economia é 80% agrícola; envolvimento de políticos com tráfico é obstáculo na estratégia antidroga
IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A CABUL
Zulmai Alzali tem 26 anos e
fala confortavelmente numa
sala refrigerada no centro de
Cabul, envergando um terno
marrom e o inglês aprendido
nos seus anos de estudo nos
EUA. No extremo leste da capital afegã, Farid Ahmad, 33, conversa em um dari sonolento
deitado em um colchão num
prédio decrépito e com poucas
janelas intactas.
Os dois homens têm em comum estarem em pontas distintas do mesmo problema: as
drogas no Afeganistão. O país
produz 93% da matéria-prima
para a heroína, o ópio extraído
da papoula, e os estimados US$
5 bilhões anuais obtidos com o
comércio são a principal fonte
de financiamento do Taleban.
Alzali é porta-voz do Ministério Antidrogas do Afeganistão. Ahmad, um viciado em
ópio que tenta se recuperar numa das três clínicas dedicadas a
isso no país, o Nejat Center.
"O Afeganistão tenta fazer
sua parte, vamos tirar a papoula de 22 das 34 Províncias até o
fim do ano. Mas não adianta,
precisamos de ajuda verdadeira da comunidade internacional. O tráfico é mundial, as máfias são transnacionais, e são
vocês que consomem a droga
que produzimos", afirma Alzali, tomando o Brasil como parte
do dito Ocidente.
Como um capitão Nascimento (de "Tropa de Elite"), ele
aponta para os consumidores.
"Sem o consumo, não há produção. Mas mesmo assim apenas os EUA e o Reino Unido
gastam dinheiro contra as drogas aqui", afirma.
De certa forma, a realidade
pintada por ele ajuda a jogar
Ahmad para as bordas da sectária sociedade afegã. Este é um
país religioso, e o Corão não
proíbe a produção de drogas,
apenas seu consumo. Se já é um
pária entre os seus, Ahmad acaba sendo esquecido por formuladores de políticas como Alzali
como uma espécie de dano colateral do problema.
A ONU estima em 150 mil os
usuários de ópio, que é fumado,
e em 50 mil os de heroína, que é
injetada. Isso perfaz expressivo
1,5% da população afegã -a
média de usuários de opiáceos
no Brasil é de 0,5%.
"Na época do Taleban, não tinha droga. Eu carregava caixas
no bazar central, e aos poucos
uns amigos que tinham morado
no Irã foram me dando umas
doses. É bom, relaxa. Só que
custava caro, como US$ 2 a dose, e eu fui perdendo a vontade
de trabalhar. Quando vi que
não ia nem conseguir me drogar, nem trabalhar, vim para
cá", afirma Ahmad.
Ele se drogava nos dois pontos famosos da capital: as ruínas da antiga Casa de Cultura
Soviética, no centro, e o Palácio
Real de Darulaman, no sul.
Com a proximidade das eleições, os dois lugares foram cercados para evitar insurgentes
camuflados entre os drogados.
Ao lado de Ahmad, o supervisor do centro de reabilitação,
Jamal Abdel Nasser, reclama.
"Cada paciente custa uns US$
1.000 por quatro meses de tratamento. Hoje são 200 que nos
procuram, mas só temos dinheiro e estrutura para 50. E a
ONU diz que talvez não tenha
mais verba."
No escritório da ONU em Cabul, a informação é a de que não
faltarão recursos para o Nejat
Center, que ocupa um antigo
prédio construído pelos soviéticos, não tem muitas janelas e
está praticamente arruinado
em seu interior -não exatamente a imagem de um local
em que se investe dinheiro.
Segundo Nasser, que tem 10
anos de experiência com serviço social mas só há quatro meses trabalha no Nejat, as famílias tendem a visitar pouco os
internos, devido ao estigma social. Entre os usuários da heroína, que, por ser ópio refinado
em laboratório, é mais rara no
mercado interno, há ainda a
preocupação com a Aids.
"Os poucos que têm o vírus
são mandados para o Ministério da Saúde", diz ele, referindo-se aos poucos centros de
tratamento de portadores do
HIV no país. O ministério só
admite cerca de 3.000 casos
suspeitos e menos de cem confirmados, e gente como Nasser
suspeita que a subnotificação
tenha algo a ver com negação
de um "problema ocidental".
Financiamento do terror
E há a questão do financiamento do terror. Durante a era
Taleban (1996-2001), a produção foi desmontada no Afeganistão. O líder do grupo, mulá
Mohammad Omar, considerava a droga "anti-islâmica", e a
ameaça de matar quem cultivasse a papoula fez efeito. Helmand, região hoje produtora de
70% do ópio afegão, não tinha
um campo plantado em 2001.
Então por que agora o Taleban aceita a droga? "Na verdade, o que há é uma máfia transnacional para quem interessa
que o Afeganistão esteja desestabilizado. Com todos os problemas, o Taleban estabilizou o
país e acabou com a droga. Essa
mesma gente agora paga dinheiro para que a insurreição
continue, pois assim sua produção não será afetada", raciocina Alzali.
Os valores divergem. Alzali
cita os US$ 5 bilhões, mas crê
que cerca de um quinto disso
chegue aos insurgentes. A ONU
fala em US$ 400 milhões, e um
relatório recente do Senado
americano abaixa ainda mais o
valor, para US$ 70 milhões.
"Importa pouco. Eles não
precisam de mais do que armas,
e armas não são tão caras assim", afirma Alzali.
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