|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Símbolo do fracasso paquistanês
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
No fim de 2001, antes da queda do Taleban no Afeganistão
facilitar a ida de jornalistas baseados no Paquistão a Cabul,
um ritual diário se repetia no
lobby do Marriott Islamabad.
Dezenas de repórteres se
afundavam em largos sofás de
couro sintético, esperando a
hora em que seus contatos lhe
trariam um extremista que
possibilitaria a visão interna do
fenômeno que apavorava o
mundo e, talvez, ajudasse a arranjar uma visita ao país vizinho. Pistolas e Kalashnikovs
eram deixadas numa guarita.
Voltando ao Marriott, em fevereiro deste ano, o clima era
outro. Grandes placas de concreto protegiam o prédio por
todos os lados, e revistas obrigatórias em duas barreiras por
homens bem armados deixavam poucas dúvidas sobre
quem era bem-vindo ao hotel.
Sábado passado, as mesmas
fontes que eram cortejadas nos
corredores abarrotados de arranjos florais exagerados finalmente voltaram ao Marriott.
Deixaram de lembrança dezenas de cadáveres.
O brutal atentado é talvez o
mais simbólico recado do fundamentalismo islâmico na
atual fase da chamada "guerra
ao terror". O Marriott era o
bunker do Ocidente e do Paquistão pró-Ocidente em Islamabad. Se surpreende o baixo
número de ocidentais mortos,
já que este era o hotel predileto
de jornalistas e diplomatas, há
outras mensagens no ataque.
Além da hipótese de o atentado visar um jantar que teria sido desmarcado de autoridades
paquistanesas, fica claro que
não haverá trégua aos paquistaneses que lá estavam e festejavam o fim de mais um dia de jejum do Ramadã no badalado (e
abaixo da crítica, gastronomicamente) restaurante do hotel.
Eles representam, aos olhos
dos radicais, a traição em pessoa, e talvez estejamos diante
de uma nova tendência.
Em 2001, quando contatos
de diversos grupos pró-Taleban circulavam livremente pelo Marriott de Islamabad, os
EUA se aliaram ao regime de
Pervez Musharraf para cooptar
apoio logístico e militar. Foi
uma união que, com vários altos e baixos, durou até a queda
do ditador neste ano.
Washington vinha reclamando, nos últimos dois anos, de
um relaxamento no combate
aos terroristas das áreas tribais
paquistanesas. As forças sob o
insurgente Baitullah Mehsud
ganharam força, mas os seus
ataques até aqui vinham se
concentrando nas regiões de
confronto militar direto, como
o outrora paraíso de férias no
vale de Swat.
Com a ascensão da frágil
aliança civil que governa o país,
encabeçada pelo controverso
Zardari, o terror viu a oportunidade ideal para aumentar sua
ação nos centros urbanos. Aqui
cabe uma digressão sobre os interesses envolvidos.
Uma teoria conspiratória
que freqüenta as conversas em
Islamabad é a de que a onda de
violência é estimulada pelos
serviços secretos paquistaneses, os pais do fundamentalismo na região, o doutor Frankenstein que criou o Taleban.
Enfraquecendo o poder civil, os
militares teriam a desculpa para fazer o que melhor fazem na
história paquistanesa -dar um
golpe de Estado.
Mas contra essa leitura há o
fato de que o comandante do
Exército, Ashfaq Kayani, até
aqui não mostrou vocação golpista. Ao contrário, foi responsável por uma desmilitarização
do governo. E foi chefe do ISI, o
principal serviço secreto militar. Conhece a fera.
Dito isso, e tratando-se do
Paquistão, a falta de clareza sobre qual política de segurança
contra os terroristas não ajuda
a desfazer as dúvidas sobre o
que está acontecendo.
Zardari falou algo sobre
"câncer do terrorismo". A pressão interna torna difícil uma
aliança explícita com os EUA,
ainda mais quando o futuro
ocupante da Casa Branca não é
conhecido e candidatos fazem
seu papel: falam grosso.
O que se sabe é que a lassidão
verificável em 2001 no lobby do
Marriott, somada a anos de
equívocos em Washington e Islamabad, levaram ao banho de
sangue do sábado. Não há barreiras de concreto que resolvam mais o problema. O próximo presidente americano já ganhou sua prioridade em política externa.
Texto Anterior: EUA tentam penetrar com helicópteros no Paquistão Próximo Texto: Afeganistão: França aprova envio de novo contingente Índice
|