São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 2008

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ARTIGO

Símbolo do fracasso paquistanês

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


No fim de 2001, antes da queda do Taleban no Afeganistão facilitar a ida de jornalistas baseados no Paquistão a Cabul, um ritual diário se repetia no lobby do Marriott Islamabad.
Dezenas de repórteres se afundavam em largos sofás de couro sintético, esperando a hora em que seus contatos lhe trariam um extremista que possibilitaria a visão interna do fenômeno que apavorava o mundo e, talvez, ajudasse a arranjar uma visita ao país vizinho. Pistolas e Kalashnikovs eram deixadas numa guarita.
Voltando ao Marriott, em fevereiro deste ano, o clima era outro. Grandes placas de concreto protegiam o prédio por todos os lados, e revistas obrigatórias em duas barreiras por homens bem armados deixavam poucas dúvidas sobre quem era bem-vindo ao hotel.
Sábado passado, as mesmas fontes que eram cortejadas nos corredores abarrotados de arranjos florais exagerados finalmente voltaram ao Marriott. Deixaram de lembrança dezenas de cadáveres.
O brutal atentado é talvez o mais simbólico recado do fundamentalismo islâmico na atual fase da chamada "guerra ao terror". O Marriott era o bunker do Ocidente e do Paquistão pró-Ocidente em Islamabad. Se surpreende o baixo número de ocidentais mortos, já que este era o hotel predileto de jornalistas e diplomatas, há outras mensagens no ataque.
Além da hipótese de o atentado visar um jantar que teria sido desmarcado de autoridades paquistanesas, fica claro que não haverá trégua aos paquistaneses que lá estavam e festejavam o fim de mais um dia de jejum do Ramadã no badalado (e abaixo da crítica, gastronomicamente) restaurante do hotel. Eles representam, aos olhos dos radicais, a traição em pessoa, e talvez estejamos diante de uma nova tendência.
Em 2001, quando contatos de diversos grupos pró-Taleban circulavam livremente pelo Marriott de Islamabad, os EUA se aliaram ao regime de Pervez Musharraf para cooptar apoio logístico e militar. Foi uma união que, com vários altos e baixos, durou até a queda do ditador neste ano.
Washington vinha reclamando, nos últimos dois anos, de um relaxamento no combate aos terroristas das áreas tribais paquistanesas. As forças sob o insurgente Baitullah Mehsud ganharam força, mas os seus ataques até aqui vinham se concentrando nas regiões de confronto militar direto, como o outrora paraíso de férias no vale de Swat.
Com a ascensão da frágil aliança civil que governa o país, encabeçada pelo controverso Zardari, o terror viu a oportunidade ideal para aumentar sua ação nos centros urbanos. Aqui cabe uma digressão sobre os interesses envolvidos.
Uma teoria conspiratória que freqüenta as conversas em Islamabad é a de que a onda de violência é estimulada pelos serviços secretos paquistaneses, os pais do fundamentalismo na região, o doutor Frankenstein que criou o Taleban. Enfraquecendo o poder civil, os militares teriam a desculpa para fazer o que melhor fazem na história paquistanesa -dar um golpe de Estado.
Mas contra essa leitura há o fato de que o comandante do Exército, Ashfaq Kayani, até aqui não mostrou vocação golpista. Ao contrário, foi responsável por uma desmilitarização do governo. E foi chefe do ISI, o principal serviço secreto militar. Conhece a fera.
Dito isso, e tratando-se do Paquistão, a falta de clareza sobre qual política de segurança contra os terroristas não ajuda a desfazer as dúvidas sobre o que está acontecendo.
Zardari falou algo sobre "câncer do terrorismo". A pressão interna torna difícil uma aliança explícita com os EUA, ainda mais quando o futuro ocupante da Casa Branca não é conhecido e candidatos fazem seu papel: falam grosso.
O que se sabe é que a lassidão verificável em 2001 no lobby do Marriott, somada a anos de equívocos em Washington e Islamabad, levaram ao banho de sangue do sábado. Não há barreiras de concreto que resolvam mais o problema. O próximo presidente americano já ganhou sua prioridade em política externa.


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