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NA CAPITAL
Minorias de Cabul lutam para sobreviver
No desgoverno afegão, hazaras formam milícia para se defender e sikhs preferem se esconder
IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A CABUL
Enquanto os líderes da Aliança
do Norte e de outros grupos interessados no espólio do Taleban
vão à Alemanha brigar por sua
parte do bolo de poder no Afeganistão, as minorias de Cabul fazem o que podem para sobreviver. Os influente hazaras têm seu
exército próprio para defendê-los; a única minoria religiosa na
cidade, formada por sikhs e hindus, vive a se esconder.
É possível pegar esses dois
exemplos distintos, mas significativos dos dias bicudos pelos quais
passam os grupos minoritários
num país sem governo definido e
depois de viver cinco anos sob um
regime isolacionista e repressor
daquilo que não considerasse sua
visão do islã.
Os soldados de Ali
Os hazaras formam uma importante minoria em todo o Afeganistão, cerca de 10% da população
de 22 milhões de habitantes. Na
capital, Cabul, são cerca de 100
mil dos aproximadamente 500
mil moradores, um número especulado pelos líderes da comunidade.
Vivem no sul da capital, no bairro de Karte Seh, à margem da
montanha Koh-i-Sher Darwasa. É
uma das regiões mais destruídas
pelos anos de guerra civil no país,
e aos hazaras notadamente são relegados os serviços considerados
inferiores.
""Não há carregador de entulho
na cidade que não seja hazara.
Eles são muito fortes e resistentes", resume com um toque de
darwinismo social o motorista de
táxi Abdul Dhafur, um hazara
com cerca de 30 anos que está no
degrau acima da hierarquia profissional de Cabul.
Os hazaras são xiitas, o ramo do
muçulmanismo dos seguidores
do califa Ali, sobrinho do profeta
Muhammad.
O outro braço da religião, majoritário, é o sunismo. O centro espiritual do xiismo é o Irã, mas o
fato de Ali estar enterrado em Mazar-e-Sharif dá a dimensão da importância do Afeganistão no ideário da seita.
Eles fazem parte da Aliança do
Norte, mas não são protagonistas
políticos -nem se sabe se algum
deles irá a Bonn negociar o futuro
afegão. Só que militarmente têm
peso, e 3.000 dos 15 mil soldados
que entraram em Cabul desde a
semana passada são pertencentes
à minoria.
""Nós estamos aqui em nome da
Aliança", afirma o comandante
hazara Said Husain Anuari, que
falou em sua base na 6ª Delegacia
de Polícia de Cabul, em Karte Seh.
Mas, questionado sobre quem é
seu chefe, ele não cita nenhum
tadjique ou uzbeque. ""É Ali Gauhar", diz, referindo-se ao líder hazara local.
""Nós agora temos alguém nos
protegendo", afirma o taxista
Dhafur. Um alívio para ele, porque nos anos do Taleban, entre
1996 e 2001, os hazaras foram alvo
de diversos massacres por sua origem étnica -em especial na região de Herat (oeste afegão).
E também foram acusados de
promover suas próprias chacinas,
mas não é possível mensurar isso
hoje -apenas a desconfiança entre os vários grupos. O que não leva a perspectivas animadoras ao
ver o pequeno exército dos soldados de Ali a encastelar-se em Cabul.
Os "judeus do Taleban"
Pense numa minoria étnica e religiosa, vivendo num lugar onde o
regime tentava moldar à força
seus próprios pares. Essa era a situação dos descendentes de indianos que moram em Cabul.
Eram cerca de 5.000 famílias em
1990, segundo o líder comunitário
Munaur Singh -que, como todos os sikhs, tem o mesmo sobrenome para indicar sua submissão
à doutrina estabelecida no século
16 pelo guru Sir Nanak, misturando o islamismo místico do sufismo e princípios do hinduísmo do
ramo bahkti.
Hoje, são 35 famílias sikhs e hinduístas, que são conhecidas pejorativamente pelos locais como ""os
hindus".
""Nós tivemos muitos problemas com a guerra civil e o Taleban, e boa parte das pessoas foi
embora. Mas somos do Afeganistão e não devemos sair daqui tão
cedo", afirma Munaur, 28.
Eles foram candidatos a ser análogos afegãos aos judeus sob o nazimo. Durante uma semana, em
1998, foram obrigados pela shura
(conselho) de Cabul a utilizar
roupas amarelas para serem identificados na rua.
""Nós protestamos e, frente à
péssima repercussão que isso iria
dar, eles voltaram atrás", diz Munaur.
Houve ameaças de uma ""Noite
dos Cristais" -noite de depredações de sinagogas e lojas de judeus
promovida por nazistas na Alemanha em 1938-, mas não concretizadas. Por via das dúvidas, a
solução foi simples: enclausurar o
comércio sikh/hinduísta numa
fortaleza.
Ela fica em Karte Parwan, no
norte da cidade. É um prédio de
quatro andares com portões de
ferro e segurança na porta, em
frente à única guradvara (templo
sikh) de Cabul.
Os ""hindus" sempre controlavam o fluxo de remédios comprados na Índia, a maioria dos consumidos no Afeganistão pelo preço e pela quantidade.
Os produtos vêm, via Karachi
(Paquistão), de famílias de parentes na Índia. Como por algum
motivo insondável farmácias são
mais comuns em Cabul do que
pubs em Londres, o mercado é
amplo.
""Tivemos de fechar nossas lojas
e viemos para cá", conta Gourmant Singh, 44.
Durante o regime do Taleban,
boa parte dos sikhs teve de usar
cabelo curto -um dos cinco símbolos de sua religião é nunca cortar os pêlos do corpo.
Entre si, além da aparência física, eles se reconhecem também
pelo símbolo número dois do sikhismo, o bracelete de ferro conhecido como kara.
Gourmant cortou e até hoje usa
um gorro estilo pashtu. ""Isso não
me faz mais ou menos sikh, afinal
de contas. Não sou do Taleban",
diz, rindo, contando como também fazia aguardente a partir de
tônicos com álcool e frutas fermentadas de Cabul.
"Estava pecando duplamente,
contra minha religião e contra a
do Estado", diz. E o futuro? "Já foi
pior, mas não sei bem o que essa
Aliança do Norte quer de todo
mundo. Por enquanto, espero poder voltar a vender remédios para
os hospitais daqui."
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