São Paulo, sexta-feira, 23 de novembro de 2001

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JUSTIÇA

Supremo legitima superpoderes de Bush

Em tempos de guerra, a mais alta corte dos EUA apoiou a expansão da autoridade presidencial

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Apesar dos protestos de entidades de direitos humanos e de críticas isoladas do Congresso, precedentes históricos da Suprema Corte dos EUA legitimam a concentração de poderes da Casa Branca e a supressão de liberdades civis promovidas pelo presidente George W. Bush desde os atentados de 11 de setembro.
Sob o argumento de que os EUA foram vítimas de atos de guerra, não de crimes praticados por extremistas autônomos, Bush conseguiu expandir o poder do Executivo a níveis equiparáveis, segundo o jornal "Washington Post", aos do presidente Franklin D. Roosevelt durante a Segunda Guerra Mundial.
Até o momento, organizações não-governamentais, advogados de pessoas detidas sem acusação clara e o Congresso não demostraram interesse em mover uma ofensiva judicial ampla contra os poderes de Bush.
Presume-se que os descontentes estejam sendo constrangidos pelo índice recorde de aprovação de Bush, que chegou a 90%, e pela disposição clara da população de abrir mão de liberdades individuais em nome da segurança.
"Mas isso não explica tudo. A verdadeira razão é que não há nada que eles possam fazer", disse à Folha David Cole, professor de Direito da Universidade de Georgetown. "Como em quase todos os conflitos dos quais os EUA participaram, as portas do Judiciário provavelmente lhes serão fechadas enquanto o clima de guerra perdurar e a sociedade continuar priorizando a segurança."
Se considerarmos que o combate ao terrorismo é uma guerra convencional, Bush seria só um dos vários presidentes dos EUA a concentrar poderes e restringir liberdades em tempos de conflito.
O estudo mais sério sobre a relação entre as guerras e o fortalecimento do Poder Executivo americano foi escrito pelo atual presidente da Suprema Corte dos EUA, William Rehnquist.
O estudo mostra que a cúpula do Judiciário americano legitimou todos os poderes excepcionais do Executivo durante guerras. O autor vê essa jurisprudência com simpatia.
Em 1919, durante a Primeira Guerra Mundial, a Suprema Corte confirmou a condenação de Charles T. Schenck, líder socialista preso por escrever e distribuir panfletos urgindo jovens a resistir ao alistamento militar.
Schenck fora preso com base nas várias ordens (conhecidas como "Espionage and Sedition Acts", ou "Leis contra Espionagem e Perturbação da Ordem Pública") do presidente Woodrow Wilson que determinaram a detenção e o julgamento sumário de pessoas com convicções "antiamericanas".
Em seu voto a favor da condenação de Schenck, o juiz da Suprema Corte Oliver Wendell Holmes escreveu: "O discurso às vezes representa um perigo imediato e claro de provocar o mal... O Congresso tem o direito de evitar que isso ocorra".
Hoje, segundo professores de direito, essa decisão serve como principal precedente jurídico da supressão de liberdades civis e de acúmulo de poder em guerras.
A segunda decisão histórica da corte veio durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), período em que o presidente Franklin D. Roosevelt determinou o julgamento militar de civis que seriam agentes sabotadores do governo alemão.
Em 1942, a Suprema Corte analisou recurso movido por um desses supostos agentes que, alegando ser filho de cidadãos americanos naturalizados, pedia para ser julgado por um tribunal civil.
De forma unânime, a corte rejeitou o recurso sob a alegação de que até cidadãos norte-americanos perdem a proteção do sistema legal quando se tornam agentes do inimigo. Seis homens foram executados por cortes militares. Dois receberam penas de prisão depois de colaborarem com os militares.
Em 1998, numa das poucas entrevistas concedidas por Rehnquist durante o lançamento de seu livro, ele declarou que a tendência da Suprema Corte dos EUA é a de legitimar ou se abster de julgar o acúmulo de poderes da Casa Branca enquanto guerras estiverem em andamento.
Ele lembrou que, em 1946, só depois da vitória dos aliados, a Suprema Corte encontrou um espaço na agenda para anular a imposição de uma lei marcial instituída no Estado do Havaí (onde vários descendentes de japoneses viviam) cinco anos antes, logo depois dos ataques a Pearl Harbor (em 1941).
Alguns advogados acreditam que, diferentemente da posição da Suprema Corte em outros conflitos, ela poderia agora ser menos generosa com a Casa Branca porque, ao menos formalmente, o Congresso dos EUA não declarou guerra ao Afeganistão ou a outro país- embora a expressão "guerra contra o terrorismo" ter se transformado num slogan oficial.
No entanto, como o dia 11 de setembro de 2001 mudou as referências sobre os danos causados pelo terrorismo, tal observação pode ser recebida pela corte como um simples detalhe. Além de serem os maiores atentados já registrados na história, os ataques do dia 11 de setembro foram os eventos que provocaram mais mortes de cidadãos dentro dos EUA num único dia.




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