São Paulo, domingo, 23 de dezembro de 2007

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Censura a filme na China leva cinéfilos a Hong Kong

Chineses dos centros urbanos começam a protestar contra cortes em "Lust, Caution"

Filme de Ang Lee, sobre amor durante a Segunda Guerra, é vetado por Pequim devido a cenas de sexo e por retratar traidor como herói

HOWARD W. FRENCH
DO "NEW YORK TIMES"

As fileiras de visitantes chineses a Hong Kong vêm sendo engrossadas por uma categoria inédita de turistas: os cinéfilos. Devido à censura de um filme sobre amor e traição em Xangai durante a Segunda Guerra, do cineasta taiwanês Ang Lee, milhares de fãs de cinema da China estão indo a Hong Kong para assistir à versão completa de "Lust, Caution".
O fato destaca a rápida mudança nas atitudes do público diante da censura governamental às artes, que não costumava ser questionada, e gerou debate sobre a regulamentação de filmes na China.
Viajantes já visitaram Hong Kong para assistir a filmes no passado, mas os números eram muito menores. Os críticos e comentaristas locais atribuem o interesse pelo filme de Lee a diversos fatores, da divulgação boca-a-boca ao conteúdo sexual ousado eliminado da versão censurada, passando pelo sutil subtexto político raramente visto em filmes chineses. O mais importante, porém, talvez seja a ascensão de uma classe urbana afluente no rico leste da China, cada vez mais acostumada a escolher o que fará parte de suas vidas.
Pelo menos um fã chinês de cinema tentou processar a Administração do Rádio, Cinema e Televisão, que regulamenta o setor, por cortar parte do filme. Lee, o diretor, afirmou que o material censurado foi definido como politicamente inaceitável em Pequim porque reforçava a idéia da simpatia que surge entre uma jovem chinesa e um colaborador dos ocupantes japoneses de Xangai. Muitos membros da indústria chinesa do cinema apóiam a idéia de adotar um sistema de classificação como o dos EUA, que segundo eles reduziria a necessidade de censura direta.
Mas as autoridades do cinema até agora resistem a esse apelo. Alguns dos visitantes que vão a Hong Kong dizem que aceitam os motivos que embasam a existência de um sistema de censura, em um país com tamanhas disparidades regionais de renda e educação, mas acreditam que a prática já não seja justificável nas cidades.
"Sou contra a censura, mas creio que compreendo por que ela continua necessária no país como um todo", disse Yan Jiawei, um designer gráfico de Xangai que assistiu a "Lust, Caution" em recente viagem de negócios a Hong Kong. "A questão está relacionada ao nível educacional das pessoas." Profissionais do cinema chinês disseram que o fato de "Lust, Caution", mesmo censurado, estar em exibição na China demonstra até que ponto os parâmetros daquilo que é considerado aceitável se expandiram desde o começo da era de reformas, há duas décadas.
Embora muita gente pareça ter sido atraída pelo filme de Lee em razão das cenas de sexo, que ainda hoje variam de mornas a inexistentes na maioria dos filmes chineses, um fator ainda mais inédito, para um filme lançado no país, é a idéia de um traidor retratado como personagem atraente, e não vilão, em um dos papéis centrais.
"O país sem dúvida está se abrindo e avançando mais e mais, e essa é a maré da história, que não se pode deter", disse Fang Li, um importante produtor chinês. "No entanto, diante de uma economia de mercado que está se desenvolvendo com tamanha rapidez, jamais vi um setor tão atrasado quanto o de cinema, na China."
Fang diz que boa parte da responsabilidade por isso cabe aos censores, pessoas em geral idosas que operam em comitê e convidam diferentes ramos do governo a comentar os filmes.
Outros críticos do sistema dizem que os censores do país se tornaram muito mais cuidadosos em eliminar os rastros de seu trabalho. Wu Di, pesquisador do Centro Chinês da Arte Cinematográfica, em Pequim, afirma que, quando o diretor Tian Zhuangzhuang realizou "The Blue Kite", um filme de 1993 sobre a Revolução Cultural, assunto proibido na China, todas as empresas do setor foram notificadas de que não deveriam voltar a contratá-lo. "Agora, sob a chamada sociedade harmônica, eles não agiriam de maneira tão escancarada", diz Wu, citando a teoria do presidente Hu Jintao. Em lugar de divulgar uma notificação de que contratar uma pessoa está proibido, hoje as autoridades conseguem resultado semelhante com uns poucos telefonemas, que não deixam rastro. "Lust, Caution" tem estréia no Brasil prevista para 8 de fevereiro próximo.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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