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São Paulo, sexta-feira, 24 de janeiro de 2003

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COMENTÁRIOS

União Schröder-Chirac ameaça segurança coletiva

WILLIAM SAFIRE
DO "THE NEW YORK TIMES"

O chanceler (premiê) alemão, Gerhard Schröder, está invicto: três batalhas, três vitórias -uma eleitoral, uma diplomática, uma judicial. A primeira foi sua reeleição em 2002, arrancada das mandíbulas da derrota por sua adesão de último minuto ao pacifismo antiamericano.
Logo depois, veio o segundo triunfo: convencer o presidente da França, Jacques Chirac, a mudar de idéia em relação ao Iraque.
Chirac havia feito um acordo com os EUA no final do ano passado: concordaram em adiar uma invasão do Iraque até que os inspetores de armas da ONU fossem ludibriados pelo Iraque durante tempo suficiente para satisfazer a opinião pública mundial da necessidade do uso da força militar. Em troca, a França não exigiria uma segunda resolução da ONU para as forças aliadas derrubarem Saddam Hussein.
À medida que o dia D chegava, a França enviou seu porta-aviões Charles de Gaulle para a futura cena de guerra. Chirac deixou claro que, embora fosse um participante menor e relutante no ataque, seu país não pretendia ficar de fora dos acordos de petróleo do pós-guerra.
Então, Schröder fez uma oferta que Chirac não poderia recusar: uma união para afirmar de modo permanente o domínio franco-alemão sobre as outras 23 nações da Europa continental.
Numa surpreendente jogada em Bruxelas (sede da União Européia), a Alemanha e a França uniram-se para modificar a prática que estabelece uma presidência rotativa do Conselho Europeu (órgão decisório máximo da UE), que garante atualmente certa influência às nações pequenas, para um sistema com um presidente de longo termo, uma espécie de czar franco-alemão.
A França teve então que pagar sua dívida com a Alemanha desrespeitando seu acordo com os EUA na ONU.
A terceira vitória de Schröder foi mais banal. No ano passado, uma agência de notícias alemã divulgou a alegação de que o chanceler teria pintado os cabelos nas têmporas. Pois Schröder, obcecado por sua imagem, enviou seus advogados ao tribunal com um desmentido de seu cabeleireiro.
Nesta semana, ele conseguiu impedir que jornais sensacionalistas publicassem notícias sobre supostos desentendimentos entre o premiê e sua quarta mulher.
O que essas vitórias judiciais dignas de riso mostram é que Schröder não compartilha dos valores de liberdade de imprensa do Ocidente.
Mas suas manobras diplomáticas não são motivo de risada. A proposta alemã pretende partir a Otan (aliança militar ocidental liderada pelos EUA), separando o Reino Unido e os Estados Unidos de uma Europa federal dominada pela Alemanha e pela França (com a França atuando no papel menos importante).
Não é de se admirar que a inútil ameaça francesa de veto a uma resolução -o que Chirac sabe que não acontecerá- relembre países poderosos e populosos como a Índia e o Japão da desigualdade de um país de porte médio como a França ter poder de veto no Conselho de Segurança (CS) da ONU. E da necessidade de impedir que a Alemanha o obtenha.
As vitórias de Pirro do chanceler são parte do cenário de crise existencial que o CS da ONU está trazendo para si mesmo. A questão iraquiana não é de guerra versus paz. Mas sim de segurança coletiva versus cada nação por si mesma.


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