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Taleban paquistanês inspira medo e respeito
Na Província da Fronteira Noroeste, porta de entrada da "guerra ao terror", políticos receitam "jirga" para isolar radicais
Sistema de consultas a líderes tribais, combinado a repressão seletiva, seria alternativa a ofensiva militar lançada em 2007
IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL À PROVÍNCIA
DA FRONTEIRA NOROESTE (PAQUISTÃO)
Haji Ghulam Ahmad Bilour
mal consegue parar. Levanta de
uma cadeira, despede-se de um
grupo de idosos e vai atender
um líder da tribo pashtun Afridi antes de falar com a Folha
no quintal de sua casa, em Peshawar, a capital da Província da
Fronteira Noroeste e a porta de
entrada para um dos principais
frontes da "guerra ao terror".
"Veja, é isso que vai resolver
o problema do extremismo
aqui. Jirga", diz Bilour, quase
afônico após dois dias recebendo os cumprimentos pela vitória de seu partido na região.
Jirga significa assembléia,
mas serve para designar conversas de qualquer tipo, desde
que obedecendo os rituais de
respeito tribal. Não só Bilour,
vice-presidente do ANP (Partido Nacional Awani), mas quase
todos os vencedores das eleições parlamentares do Paquistão acreditam que essa seja a
única maneira de acabar com a
insurreição islâmica que já
causou mais de 3.000 mortes
desde julho passado na região
tribal do Waziristão.
A 10 minutos dali, Arbab
Alamgir Khan Khalil passa pelo mesmo ritual, recebendo os
cumprimentos de representantes das agências tribais mais
ao sul, que nem pertencem ao
distrito pelo qual foi eleito deputado pelo PPP (Partido do
Povo Paquistanês).
"Eles poderiam ser da tribo
Mehsud, como aquele menino
que até ontem não era ninguém e hoje comanda o Waziristão. Só trazendo os anciãos à
mesa é possível resolver as coisas aqui", afirma Khalil, presidente da Jirga da Reconciliação, uma tentativa de colocar
todas as tribos da etnia pashtuns da região para conversar.
O Taleban paquistanês, um
filhote do original afegão, tem
cerca de 10 mil soldados espalhados pelo Waziristão do Sul.
Em 2005, quando começou a
receber um influxo grande de
militantes expulsos do Afeganistão pelas operações dos
EUA e da Otan, o governo de
Pervez Musharraf fez um acordo com eles: os deixaria em paz
em troca de um cessar-fogo.
"Do jeito que foi feito, foi um
erro. Deveria ter havido um desarmamento. Ao contrário,
mais militantes apareceram e
Baitullah Mehsud ficou muito
forte", avalia o ex-chefe do ISI
(o serviço secreto militar) Asad
Durrani, referindo-se ao "menino" citado por Khalil.
Mehsud é o chefe do Taleban
paquistanês. Nas ruas de Peshawar, centenas de quilômetros a norte de seus domínios,
seu nome é citado com um misto de reverência e medo. "Não
gosto dele, mas também não
gosto que o governo mate paquistaneses", afirma Abdullah,
dono de restaurante no Namak
Mandi (Mercado do Sal).
Ofensiva
As operações militares recomeçaram com quase 100 mil
homens em julho de 2007, após
o cerco ao centro extremista da
Mesquita Vermelha, em Islamabad, e são malvistas de forma geral: os ricos, antes favoráveis, ficaram horrorizados
quando aparentemente Mehsud mandou matar a ex-premiê
Benazir Bhutto em dezembro.
Isso não significa que o Taleban seja glorificado. "Perto da
minha aldeia natal apareceu
um pequeno senhor da guerra
que não permite que ninguém
entre ou saia sem pagar pedágio. É um ultraje", diz Khalil.
"A FATA (Área Tribal Administrada pela Federação, território anexo à Província da
Fronteira Noroeste) se talebanizou." O raciocínio é do brigadeiro de Exército reformado
Mahmud Shah, que foi o secretário de Segurança da FATA e
de Interior da Fronteira Norte.
A Fronteira Norte foi governada de 2002 a 2007 pelo
MMA, um aglomerado de partidos religiosos. Seu fracasso na
eleição da semana passada é
vendido pelas redes de TV ocidentais como a prova de que "o
povo paquistanês rechaçou o
extremismo nas urnas".
Não é bem assim. "Os mulás
(líderes religiosos) enriqueceram no poder, fizeram um mau
governo", diz Shah. Além disso,
no último ano de seu governo o
MMA associou-se ao partido
pró-Musharraf, e todos ligados
ao presidente foram derrotados na eleição. O MMA alega
que houve fraude.
Beco sem saída
A questão que fica é: se o
combate recrudesce a situação
e o apaziguamento anterior levou ao fortalecimento dos radicais, como as tais jirgas resolverão o problema? "Sendo sincero, não sei se há saída. Estamos
presos à estratégia americana.
Mas para evitar o caos, a jirga é
a solução do curto prazo", avalia o jornalista Rahimullah Yusufzai, sumidade quando o tema é radicalismo islâmico.
O general Durrani e o brigadeiro Shah concordam que deve haver uma solução que use a
força contra os elementos mais
radicais, estimados em 1.400
combatentes, somada a uma
política de inclusão para desestruturar o poder dos radicais.
"Se melhorarmos a educação
das pessoas, elas se afastam do
fundamentalismo religioso, ficam menos vulneráveis", diz
Shah. Resta agora combinar
com o Taleban e com os Estados Unidos, desafios igualmente difíceis para o futuro governo paquistanês.
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