São Paulo, domingo, 24 de fevereiro de 2008

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Taleban paquistanês inspira medo e respeito

Na Província da Fronteira Noroeste, porta de entrada da "guerra ao terror", políticos receitam "jirga" para isolar radicais

Sistema de consultas a líderes tribais, combinado a repressão seletiva, seria alternativa a ofensiva militar lançada em 2007

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL À PROVÍNCIA DA FRONTEIRA NOROESTE (PAQUISTÃO)

Haji Ghulam Ahmad Bilour mal consegue parar. Levanta de uma cadeira, despede-se de um grupo de idosos e vai atender um líder da tribo pashtun Afridi antes de falar com a Folha no quintal de sua casa, em Peshawar, a capital da Província da Fronteira Noroeste e a porta de entrada para um dos principais frontes da "guerra ao terror".
"Veja, é isso que vai resolver o problema do extremismo aqui. Jirga", diz Bilour, quase afônico após dois dias recebendo os cumprimentos pela vitória de seu partido na região.
Jirga significa assembléia, mas serve para designar conversas de qualquer tipo, desde que obedecendo os rituais de respeito tribal. Não só Bilour, vice-presidente do ANP (Partido Nacional Awani), mas quase todos os vencedores das eleições parlamentares do Paquistão acreditam que essa seja a única maneira de acabar com a insurreição islâmica que já causou mais de 3.000 mortes desde julho passado na região tribal do Waziristão.
A 10 minutos dali, Arbab Alamgir Khan Khalil passa pelo mesmo ritual, recebendo os cumprimentos de representantes das agências tribais mais ao sul, que nem pertencem ao distrito pelo qual foi eleito deputado pelo PPP (Partido do Povo Paquistanês).
"Eles poderiam ser da tribo Mehsud, como aquele menino que até ontem não era ninguém e hoje comanda o Waziristão. Só trazendo os anciãos à mesa é possível resolver as coisas aqui", afirma Khalil, presidente da Jirga da Reconciliação, uma tentativa de colocar todas as tribos da etnia pashtuns da região para conversar.
O Taleban paquistanês, um filhote do original afegão, tem cerca de 10 mil soldados espalhados pelo Waziristão do Sul. Em 2005, quando começou a receber um influxo grande de militantes expulsos do Afeganistão pelas operações dos EUA e da Otan, o governo de Pervez Musharraf fez um acordo com eles: os deixaria em paz em troca de um cessar-fogo.
"Do jeito que foi feito, foi um erro. Deveria ter havido um desarmamento. Ao contrário, mais militantes apareceram e Baitullah Mehsud ficou muito forte", avalia o ex-chefe do ISI (o serviço secreto militar) Asad Durrani, referindo-se ao "menino" citado por Khalil.
Mehsud é o chefe do Taleban paquistanês. Nas ruas de Peshawar, centenas de quilômetros a norte de seus domínios, seu nome é citado com um misto de reverência e medo. "Não gosto dele, mas também não gosto que o governo mate paquistaneses", afirma Abdullah, dono de restaurante no Namak Mandi (Mercado do Sal).

Ofensiva
As operações militares recomeçaram com quase 100 mil homens em julho de 2007, após o cerco ao centro extremista da Mesquita Vermelha, em Islamabad, e são malvistas de forma geral: os ricos, antes favoráveis, ficaram horrorizados quando aparentemente Mehsud mandou matar a ex-premiê Benazir Bhutto em dezembro.
Isso não significa que o Taleban seja glorificado. "Perto da minha aldeia natal apareceu um pequeno senhor da guerra que não permite que ninguém entre ou saia sem pagar pedágio. É um ultraje", diz Khalil.
"A FATA (Área Tribal Administrada pela Federação, território anexo à Província da Fronteira Noroeste) se talebanizou." O raciocínio é do brigadeiro de Exército reformado Mahmud Shah, que foi o secretário de Segurança da FATA e de Interior da Fronteira Norte.
A Fronteira Norte foi governada de 2002 a 2007 pelo MMA, um aglomerado de partidos religiosos. Seu fracasso na eleição da semana passada é vendido pelas redes de TV ocidentais como a prova de que "o povo paquistanês rechaçou o extremismo nas urnas".
Não é bem assim. "Os mulás (líderes religiosos) enriqueceram no poder, fizeram um mau governo", diz Shah. Além disso, no último ano de seu governo o MMA associou-se ao partido pró-Musharraf, e todos ligados ao presidente foram derrotados na eleição. O MMA alega que houve fraude.

Beco sem saída
A questão que fica é: se o combate recrudesce a situação e o apaziguamento anterior levou ao fortalecimento dos radicais, como as tais jirgas resolverão o problema? "Sendo sincero, não sei se há saída. Estamos presos à estratégia americana. Mas para evitar o caos, a jirga é a solução do curto prazo", avalia o jornalista Rahimullah Yusufzai, sumidade quando o tema é radicalismo islâmico.
O general Durrani e o brigadeiro Shah concordam que deve haver uma solução que use a força contra os elementos mais radicais, estimados em 1.400 combatentes, somada a uma política de inclusão para desestruturar o poder dos radicais. "Se melhorarmos a educação das pessoas, elas se afastam do fundamentalismo religioso, ficam menos vulneráveis", diz Shah. Resta agora combinar com o Taleban e com os Estados Unidos, desafios igualmente difíceis para o futuro governo paquistanês.


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