São Paulo, terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

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Ex-preso de Guantánamo retorna ao Reino Unido

Binyam Mohamed diz ter sido torturado em quase 7 anos sob custódia americana

Etíope é também pivô de debate sobre sigilo evocado em investigações da "guerra ao terror", princípio de Bush mantido sob Barack Obama


France Presse-arquivo
O etíope Binyam Mohamed, que foi libertado de Guantánamo

DO "NEW YORK TIMES", EM LONDRES

Um prisioneiro de Guantánamo que esteve no centro de um longo impasse entre Washington e Londres foi libertado e levado de volta ao Reino Unido ontem, depois de passar quase sete anos sob custódia americana. Seu caso também é alvo de questionamentos sobre o sigilo em processos envolvendo a chamada "guerra contra o terrorismo".
Binyam Mohamed foi preso no Paquistão em abril de 2002, acusado pelas autoridades americanas de fazer parte de uma conspiração contra os EUA. Mas todas as acusações contra ele foram arquivadas.
O Reino Unido, onde o etíope se radicou há 15 anos, vinha buscando sua libertação desde agosto de 2007. O chanceler britânico, David Miliband, disse ontem que ficou satisfeito com a soltura, que sucedeu "negociações intensas".
O ex-detento não deu declarações ao chegar. Mas, em nota divulgada pela ONG Reprieve, que trabalhou para sua libertação, ele disse: "Passei por uma experiência que nunca, nem em meus pesadelos mais tenebrosos, eu havia previsto". "Antes dessa provação, tortura era uma palavra abstrata."
Em entrevista há 13 dias, seus advogados disseram que Mohamed estava em greve de fome desde 5 de janeiro e vinha sendo alimentado por sonda.
Citaram-no ainda afirmando que, durante 18 meses em Guantánamo, "nunca viu o sol".

Longe dos EUA
Para ser solto, Mohamed concordou em obedecer a restrições voluntárias, incluindo uma proibição vitalícia de viajar aos EUA.
Nascido na Etiópia em uma família que fugiu para o Reino Unido por razões políticas nos anos 90, ele foi ao Afeganistão em 2000 para se desligar de um vício em drogas, segundo seu advogado. No país, passou por campos de treinamento militar -ele alega que sua meta era apoiar insurgentes muçulmanos na Tchetchênia. Suspeito de tramar um ataque contra os EUA, foi capturado em Karachi, Paquistão, em 2002.
Após meses de interrogatórios no Paquistão, registros de voo mostram que Mohamed foi levado em segredo para o Marrocos num avião fretado pela CIA, dentro do controverso programa de "transferência extraordinária", no qual os EUA deslocaram detentos a prisões secretas no exterior sem trâmites nem proteções legais.
Mohamed diz ter passado 18 meses sendo torturado no país, até ser levado para o Afeganistão e depois para a base americana de Guantánamo (Cuba). A CIA nega as acusações.

Sigilo
Os advogados de Mohamed têm tentado obter as fotos e os documentos que, afirmam, confirmam as alegações dele.
Com quatro outros detentos, o etíope acionou na Justiça dos EUA uma subsidiária da Boeing por organizar os voos de "transferência extraordinária".
Mas o governo Barack Obama, como o de seu antecessor George W. Bush, evocou segredo de Estado para impedir que as audiências sobre o caso prosseguissem, atraindo críticas de grupos pró-direitos humanos. O processo está agora parado.
Antes, um tribunal britânico citara documentos secretos que corroboram Mohamed, mas os governos americano e britânico fazem objeções a sua divulgação alegando o mesmo princípio. Para o governo dos EUA, debater a transferência extraordinária em juízo traz risco à segurança americana e a suas relações externas.


Tradução de CLARA ALLAIN


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