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Morre Ieltsin, que selou o fim da URSS
Era do ex-presidente russo foi marcada por pluralismo e caos; ele afastou-se em 1999, depois de fazer de Putin sucessor
Ieltsin defendeu Rússia do
golpe saudosista de 1991,
mas foi ele próprio golpista
dois anos depois; modelo de
privatização gerou miséria
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Boris Ieltsin, o ex-dirigente
comunista que implodiu a
União Soviética e instalou a democracia na Rússia, morreu
ontem aos 76 anos num hospital de Moscou, vítima de insuficiência cardiovascular, segundo um médico do Kremlin.
Seu sucessor e ex-protegido,
o presidente Vladimir Putin,
decretou luto oficial amanhã,
quando ele será sepultado num
cemitério moscovita.
O ex-presidente vivia recolhido a uma dacha próxima à
capital, dono de uma fortuna de
valor desconhecido e cuja origem não será jamais apurada,
em razão da imunidade judicial
que Putin lhe deu, ao receber
dele a Presidência, em dezembro de 1999, antes da conclusão
de seu segundo mandato.
Boris Nikoliaevich Ieltsin
apressou o colapso da URSS ao
abandonar o Partido Comunista e emergir no final dos anos
80 como defensor do pluralismo e da economia de mercado.
Mas foi sob sua liderança que
a Rússia mergulhou num capitalismo de estilo mafioso, em
que uma casta de oligarcas se
beneficiou sem transparência
das privatizações. O caos econômico levou em 1993 à inflação de 2.000%, corroendo salários e provocando a miséria de
milhões, até então habituados
ao paternalismo do Estado.
Os dois momentos cruciais
de Ieltsin envolvem o prédio às
margens do Volga, a Casa Branca, sede do Parlamento. Em
1991, montado num blindado,
ele exortou a população a defender a democracia e a neutralizar um golpe dos comunistas
ortodoxos. Mikhail Gorbatchov, líder soviético reformista,
estava seqüestrado na Criméia
pela polícia política e pelos ministros do Interior e da Defesa.
Ieltsin dividiu as Forças Armadas. O golpe fracassou, e ele se
tornou um herói.
Dois anos depois, como presidente de uma Rússia "dessovietizada", entrou em atrito
com o Parlamento, tentou ilegalmente dissolvê-lo e cercou o
prédio com tanques, que atiraram e destruíram algumas dependências. Líderes da oposição foram presos.
Um burocrata
Ieltsin nasceu na aldeia de
Butko, nos Urais. Seu pai, camponês empobrecido, mudou-se
para Perm, onde o casal e três
filhos moraram por dez anos
num só quarto de uma cabana
comunal. Formado em engenharia, trabalhou por 14 anos
na construção civil, antes de
entrar no Partido Comunista.
Era a única forma de ascensão para quem não fosse intelectualmente brilhante. Um de
seus feitos foi a demolição, para
abortar peregrinações, do local
em que o czar Nicolau 2º e sua
família foram assassinados pelos bolchevistas em 1918.
Gorbatchov assume o partido e a União Soviética em março de 1985. Ieltsin, com a reputação de incorruptível, torna-se
membro do Birô Político e líder
do Partido Comunista em Moscou. Dois anos depois ele critica
a lentidão da política reformista do líder soviético.
Gorbachov faz dele o vice-ministro da Construção. Ele
pede sua desfiliação do PC.
Candidata-se às eleições de
1989. Sua bancada é a maior da
República da Rússia. Força
uma reforma constitucional
para que os russos elejam seu
próprio presidente.
Apóia a República da Letônia
quando ela decide se separar da
URSS. Ieltsin come pelas bordas o poder de Gorbatchov.
Com a derrota dos golpistas
de 1991, em poucos meses se
despedaça a estrutura soviética
de poder. Gorbatchov fica sem
cargo. Ieltsin é o novo senhor
da Rússia e da situação.
O olho gordo do Ocidente
quer evitar por todos os meios
que os comunistas voltem ao
poder. Ieltsin é o avalista da
operação de rápido mergulho
do país na economia de mercado. O economista Jeffrey Sachs
aconselha a desestatizar tudo, e
o mais rápido possível.
Deu no que deu. Ao longo da
década, o país perdeu metade
do PIB, a soma de toda a riqueza produzida. Em 1998, o rubro
sucumbe à especulação e perde
75% de seu valor, apesar de
Anatoly Chubais, o neoliberal
do Kremlin, tentar defender a
moeda com reservas enviadas
pelo FMI. A Rússia é obrigada a
decretar moratória.
Tchetchênia
Errático na economia, Ieltsin
também o foi com relação à
Tchetchênia, República da região do Cáucaso que lutava pela
independência e que foi em
parte a causa da nomeação e
queda de cinco primeiros-ministros entre 1998 e 1999.
O último deles, ex-chefe da
KGB e São Petesburgo, foi Vladimir Putin. Ele sabia que só
sobreviveria se pusesse fim à
guerra de quase dez anos. Fez
bonito. Matou um terço da população masculina adulta. A
Tchetchênia estava pacificada.
Problemas de saúde graves
-cinco pontes de safena em
1996- e o alcoolismo fizeram
de Ieltsin um dirigente pouco
confiável. Daí a negociação com
Putin para deixar o poder, antes das presidenciais de 1999
-ele não poderia ser reeleito.
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