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"Argentina está no caminho do inferno", diz ensaísta
Para Marcos Aguinis, 74, país antes "rico e culto" está hoje "em franca decadência"
Crítico do casal Kirchner diz que atual Casa Rosada deve "enfrentar consequência" do mau governo; livro vendeu 60 mil cópias em dois meses
THIAGO GUIMARÃES
DE BUENOS AIRES
Marcos Aguinis, 74, é hoje a
voz da classe média na Argentina, que vive divórcio litigioso
com o casal presidencial Cristina e Néstor Kirchner desde o
início do conflito com o campo,
há 14 meses, e às vésperas de
eleições legislativas nas quais o
segundo é candidato.
O último livro do ensaísta,
"Pobre Patria Mia!" (editora
Sudamericana), um autointitulado panfleto contra o legado
da era Kirchner, vendeu 60 mil
exemplares em dois meses.
Identifica uma Argentina "a
caminho do inferno", que nas
últimas décadas passou de "rica, culta e decente" a "pobre,
mal educada e corrupta".
Golpista para setores que defendem o governo, Aguinis diz
que os Kirchner devem enfrentar, no poder, as consequências
de seus erros. Psicanalista e
neurocirurgião, recebeu a Folha na última quinta-feira e expôs seu diagnóstico da "franca
decadência" argentina.
FOLHA - Por que "Pobre Patria
Mia"?
MARCOS AGUINIS - O livro retrata
uma frustração de ver a Argentina desorientada e em franca
decadência. Recuperamos a democracia em 1983, vivemos
uma primavera por três anos,
mas a decadência se manteve.
FOLHA - Pelo livro, o sr. foi tido como "escritor da Argentina destituinte". Quer que o governo se vá?
AGUINIS - Pelo contrário. Que
fique e enfrente as consequências de seu mau governo.
Falam em crescimento econômico "chinês", mas aumentou a pobreza, há decadência
educacional, problemas em
saúde, as favelas e o narcotráfico cresceram. Há aumento da
anomia, com piquetes e bloqueios por todos os lados.
FOLHA - Como avalia a estratégia
do governo, que adiantou a eleição
e promove candidatos que não assumirão os cargos?
AGUINIS - É um desprezo à República, porque não dá valor ao
Congresso como Poder independente, e uma degradação do
ato eleitoral, como uma fraude
anunciada. Aumenta a anomia,
esse estado de confusão.
FOLHA - Qual é o legado dos anos
Kirchner?
AGUINIS - Uma decadência,
maior insegurança e rancor.
Sociedade dividida, República
derrubada, instituições débeis.
FOLHA - E onde os Kirchner foram
bem?
AGUINIS - Melhorou a Corte
Suprema de Justiça, a de [Carlos] Menem era muito ruim. Há
quem diga que foi bom se livrar
do FMI [Fundo Monetário Internacional], mas a dívida era a
menor do fundo. Kirchner não
queria inspeções porque nesse
governo não há controles.
FOLHA - E a política de direitos humanos, com reabertura das causas
da ditadura?
AGUINIS - É parcial e interessada, somente para processar crimes da ditadura de 30 anos
atrás. Os direitos humanos no
presente não são defendidos.
FOLHA - Néstor Kirchner diz que a
estatização da previdência privada,
em 2008, foi o feito mais importante desde 2003, e o sr. afirma que é
um "ato de vampirismo".
AGUINIS - Ele usa hoje esse dinheiro para manter uma tradição horrível argentina, que começou com [Juan Domingo]
Perón: usar o dinheiro dos aposentados para outros fins. Há
gente que decidiu pôr seu dinheiro ali porque não confia
que o Estado lhe pague uma
aposentadoria justa.
FOLHA - Por que o governo perdeu
apoio da classe média?
AGUINIS - Demonstra que o governo não é popular. Está ensimesmado em obter poder e
promover capitalismo de amigos. A classe média percebeu.
FOLHA - O governo é respaldado
pelos setores mais pobres da sociedade. Não é um sinal de que fez algo
por essas pessoas?
AGUINIS - O respaldo vem sobretudo da Grande Buenos Aires, onde estão os mais pobres,
que vivem de subsídios. Esse
dinheiro deixou de ser ajuda de
emergência e se converteu em
suborno crônico.
FOLHA - A morte do presidente
Raúl Alfonsín levou milhares às ruas
em março. Como analisou esses
atos e o chamado "efeito Alfonsín",
que beneficiaria a oposição?
AGUINIS - Nas homenagens a
Alfonsín não se falava de sua
gestão, mas de sua conduta: que
não era ladrão, não era orgulhoso, não chamava de inimigo
a quem pensa diferente, um homem do diálogo e da lei. O povo
argentino quer isso, e é o que os
Kirchner violaram. É uma clara
mensagem antikirchnerista.
FOLHA - A oposição está preparada
para ser uma opção de poder?
AGUINIS - O governo Cristina
vai caminhar melhor se perder
a maioria no Congresso. Vai haver controle da corrupção, das
licitações. Os Kirchner, que são
práticos, vão se dar conta de
que vale a pena dialogar e se
manter no poder.
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