São Paulo, quarta-feira, 24 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DIREITOS HUMANOS

Sérgio Vieira de Mello defende "mais diálogo" e "menos politização" no Alto Comissariado das Nações Unidas

Brasileiro quer "despolitizar" cargo da ONU

FÁBIO ZANINI
DA REPORTAGEM LOCAL

O brasileiro Sérgio Vieira de Mello, 54, que acaba de assumir a chefia do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, coloca, como sua prioridade, retirar o "caráter político" do tema. "A agenda de direitos humanos tem sido politizada. Às vezes em detrimento da causa", disse o fluminense Vieira de Mello, em entrevista por telefone à Folha, de Nova York (EUA).
Cauteloso, afirma que em seu mandato adotará o diálogo com os países-membros no trato do abuso dos direitos humanos e que buscará evitar uma atitude de "confrontação e enfrentamento."
Vieira de Mello espera assumir seu posto no início de setembro, após conversar com a atual comissária, a irlandesa Mary Robinson. Sua indicação foi referendada ontem pela Assembléia Geral da ONU. A atual comissária está deixando o cargo desgastada com o governo norte-americano justamente por ter adotado uma atitude de enfrentamento.
Entidades de defesa de direitos humanos temem que Vieira de Mello seja mais suscetível a pressões e menos disposto a críticas diretas a países poderosos.
Na entrevista, ele prometeu atuar com firmeza, independentemente de quem for o destinatário das críticas. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Folha - Como o sr. recebeu a indicação e qual será a sua linha de trabalho?
Vieira de Mello -
Fiquei obviamente muito honrado e espero não decepcionar o secretário-geral Kofi Annan. Ele e eu já trabalhamos juntos há muito tempo, desde o início dos anos 80. Espero poder retribuir a expectativa.

Folha - Há uma região específica ou aspecto do trabalho em que o sr. tenha intenção de se concentrar?
Vieira de Mello -
Seria prematuro dizer. É óbvio que tudo neste mundo, até o ar que a gente respira, é um direito humano. Portanto o perigo nesse cargo vai ser a extensão do leque de desafios e solicitações. Não quero me dispersar. Você terá de me dar um tempo para identificar as áreas temáticas, bem como as áreas geográficas que eu priorizaria.

Folha - O sr. usou a expressão campo minado para descrever seu trabalho. Poderia explicar melhor?
Vieira de Mello -
De forma irônica, talvez excessiva, quis dizer que reparei que a agenda de direitos humanos tem sido politizada. Às vezes em detrimento da causa. Nesse sentido, queria dizer que tenho consciência do que me espera, a grande sensibilidade da sociedade civil, das ONGs. Quero evitar transformar a agenda dos direitos humanos numa agenda de confrontação, de enfrentamento. Na medida do possível, promover consenso entre todos os parceiros. Evidentemente isso vai ser extremamente difícil.

Folha - Sua função envolve criticar o comportamento de nações poderosas, como EUA, Rússia e China. O sr. está preparado para confrontá-las?
Vieira de Mello -
Tudo depende da definição do termo confrontação. Tudo depende de como você enfoca um problema determinado, como você chama a atenção do governo para um problema que causa preocupação. Há muitas maneiras diferentes de fazer. Sem entrar em detalhes, em minha carreira já tive que lidar com muitas situações de conflito. Nem por isso fui tímido. Quando for preciso, eu levantarei o desafio.

Folha - O que o sr. entende por politização da atual agenda dos direitos humanos?
Vieira de Mello -
Me parece importante tentar encontrar a melhor maneira de despolitizar o tema se queremos promover uma transformação no comportamento de forças governamentais ou não. Talvez a melhor maneira seja despolitizar, aumentar o diálogo.

Folha - A sua antecessora teve um desgaste notório com os EUA. É um exemplo do que o sr. aponta?
Vieira de Mello -
Não estou relembrando nenhum episódio em particular e quero prestar uma homenagem a Mary Robinson, que foi realmente um exemplo difícil de repetir. Ela colocou a agenda dos direitos humanos tão alto que vai ser um desafio conseguir manter essa visibilidade.

Folha - As violações de direitos humanos se restringem a países ditatoriais e de Terceiro Mundo ou também ocorrem em lugares como EUA e Europa?
Vieira de Mello -
Minha experiência demonstrou que a perfeição ainda não é desse mundo. A grande diferença reside no sistema político e na forma de governo democrática, onde a denúncia e a capacidade de corrigir erros ou desvios existe ou não. Por definição, as grandes violações de direitos humanos acontecem em regiões onde não existe capacidade de crítica ou autocrítica.

Folha - Em relação ao Brasil, como o sr. avaliaria a situação dos direitos humanos?
Vieira de Mello -
Eu acredito que não seria correto identificar um país em particular e julgar a situação. O que me parece mais importante é que o Brasil, na última década, transformou-se num ator internacional na área de direitos humanos. Por outro lado, me sinto mais à vontade na medida em que, na política interna, a questão dos direitos humanos deixou de ser tabu há muito tempo.



Texto Anterior: Bósnia: Cova com mais de cem corpos é achada
Próximo Texto: Human Rights teme falta de experiência
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.