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DIREITOS HUMANOS
Sérgio Vieira de Mello defende "mais diálogo" e "menos politização" no Alto Comissariado das Nações Unidas
Brasileiro quer "despolitizar" cargo da ONU
FÁBIO ZANINI
DA REPORTAGEM LOCAL
O brasileiro Sérgio Vieira de
Mello, 54, que acaba de assumir a
chefia do Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Direitos
Humanos, coloca, como sua prioridade, retirar o "caráter político"
do tema. "A agenda de direitos
humanos tem sido politizada. Às
vezes em detrimento da causa",
disse o fluminense Vieira de Mello, em entrevista por telefone à
Folha, de Nova York (EUA).
Cauteloso, afirma que em seu
mandato adotará o diálogo com
os países-membros no trato do
abuso dos direitos humanos e que
buscará evitar uma atitude de
"confrontação e enfrentamento."
Vieira de Mello espera assumir
seu posto no início de setembro,
após conversar com a atual comissária, a irlandesa Mary Robinson. Sua indicação foi referendada ontem pela Assembléia Geral
da ONU. A atual comissária está
deixando o cargo desgastada com
o governo norte-americano justamente por ter adotado uma atitude de enfrentamento.
Entidades de defesa de direitos
humanos temem que Vieira de
Mello seja mais suscetível a pressões e menos disposto a críticas
diretas a países poderosos.
Na entrevista, ele prometeu
atuar com firmeza, independentemente de quem for o destinatário das críticas. Leia a seguir os
principais trechos da entrevista.
Folha - Como o sr. recebeu a indicação e qual será a sua linha de trabalho?
Vieira de Mello - Fiquei obviamente muito honrado e espero
não decepcionar o secretário-geral Kofi Annan. Ele e eu já trabalhamos juntos há muito tempo,
desde o início dos anos 80. Espero
poder retribuir a expectativa.
Folha - Há uma região específica
ou aspecto do trabalho em que o sr.
tenha intenção de se concentrar?
Vieira de Mello - Seria prematuro
dizer. É óbvio que tudo neste
mundo, até o ar que a gente respira, é um direito humano. Portanto o perigo nesse cargo vai ser a
extensão do leque de desafios e
solicitações. Não quero me dispersar. Você terá de me dar um
tempo para identificar as áreas temáticas, bem como as áreas geográficas que eu priorizaria.
Folha - O sr. usou a expressão
campo minado para descrever seu
trabalho. Poderia explicar melhor?
Vieira de Mello - De forma irônica, talvez excessiva, quis dizer que
reparei que a agenda de direitos
humanos tem sido politizada. Às
vezes em detrimento da causa.
Nesse sentido, queria dizer que tenho consciência do que me espera, a grande sensibilidade da sociedade civil, das ONGs. Quero
evitar transformar a agenda dos
direitos humanos numa agenda
de confrontação, de enfrentamento. Na medida do possível,
promover consenso entre todos
os parceiros. Evidentemente isso
vai ser extremamente difícil.
Folha - Sua função envolve criticar o comportamento de nações
poderosas, como EUA, Rússia e China. O sr. está preparado para confrontá-las?
Vieira de Mello - Tudo depende
da definição do termo confrontação. Tudo depende de como você
enfoca um problema determinado, como você chama a atenção
do governo para um problema
que causa preocupação. Há muitas maneiras diferentes de fazer.
Sem entrar em detalhes, em minha carreira já tive que lidar com
muitas situações de conflito. Nem
por isso fui tímido. Quando for
preciso, eu levantarei o desafio.
Folha - O que o sr. entende por
politização da atual agenda dos direitos humanos?
Vieira de Mello - Me parece importante tentar encontrar a melhor maneira de despolitizar o tema se queremos promover uma
transformação no comportamento de forças governamentais ou
não. Talvez a melhor maneira seja
despolitizar, aumentar o diálogo.
Folha - A sua antecessora teve um
desgaste notório com os EUA. É um
exemplo do que o sr. aponta?
Vieira de Mello - Não estou relembrando nenhum episódio em
particular e quero prestar uma
homenagem a Mary Robinson,
que foi realmente um exemplo difícil de repetir. Ela colocou a agenda dos direitos humanos tão alto
que vai ser um desafio conseguir
manter essa visibilidade.
Folha - As violações de direitos
humanos se restringem a países ditatoriais e de Terceiro Mundo ou
também ocorrem em lugares como
EUA e Europa?
Vieira de Mello - Minha experiência demonstrou que a perfeição ainda não é desse mundo. A
grande diferença reside no sistema político e na forma de governo
democrática, onde a denúncia e a
capacidade de corrigir erros ou
desvios existe ou não. Por definição, as grandes violações de direitos humanos acontecem em regiões onde não existe capacidade
de crítica ou autocrítica.
Folha - Em relação ao Brasil, como o sr. avaliaria a situação dos direitos humanos?
Vieira de Mello - Eu acredito que
não seria correto identificar um
país em particular e julgar a situação. O que me parece mais importante é que o Brasil, na última década, transformou-se num ator
internacional na área de direitos
humanos. Por outro lado, me sinto mais à vontade na medida em
que, na política interna, a questão
dos direitos humanos deixou de
ser tabu há muito tempo.
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