São Paulo, terça-feira, 24 de setembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Doutrina Bush não dura, diz analista

MARCELO STAROBINAS
DA REDAÇÃO

Apesar dos esforços dos "falcões" da Casa Branca, os EUA não serão capazes de sustentar a "doutrina Bush" por muito tempo. É o que diz o professor americano Robert Jervis, especialista em segurança internacional da Universidade Columbia.
Na semana passada, o presidente George W. Bush divulgou um documento descrevendo os pilares de sua política externa e de segurança. Adotando um tom unilateralista e militarista raramente visto desde o fim da Guerra Fria, defendeu uma estratégia de ações preventivas contra Estados hostis. E afirmou que Washington nunca mais permitirá que sua supremacia militar seja desafiada.
"Essa é uma proposta de engajamento profundo e de longo prazo e não creio que o povo americano tenha estômago para isso", disse Jervis à Folha, por telefone. "Não somos os romanos, para gerir um Império Romano, nem britânicos para gerir um Império Britânico."

Folha - Qual a sua impressão geral sobre o documento que tenta consolidar a doutrina Bush?
Robert Jervis -
Ele é interessante por ser ao mesmo tempo muito otimista e muito pessimista. É otimista sobre a democracia, os livres mercados, a importância do indivíduo. É otimista ao dizer que esses valores estão moldando o mundo, que são amplamente difundidos e se tornarão ainda mais difundidos.
É pessimista ao afirmar que a menos que os EUA hajam com firmeza, os poderes de destruição vindos de Estados falidos e de terroristas podem causar grandes danos. É importante ler o subtexto, que diz que a forma de evitar os perigos não é por meio de instituições multilaterais ou consulta aos outros, mas por meio da vontade dos EUA, a única potência do mundo capaz de agir sozinha.

Folha - Bush diz que não permitirá que a supremacia militar dos EUA seja desafiada como na Guerra Fria. Estaria dispostos a atacar países como a China antes que se tornem superpotências?
Jervis -
Na verdade, [o subsecretário da Defesa", Paul Wolfowitz, sempre pensou assim. Ele escreveu isso num texto em 1991. Não está evidente, porém, a quem isso seria dirigido. A China está tão longe [do poderio americano" que isso seria inimaginável. O único país que poderia ser um rival seria a Europa, se os países decidissem se unir e gastar muito em sua defesa -o que não farão.
É interessante que essa declaração esteja dentro do documento, já que não tem aplicação nenhuma no futuro próximo. Isso revela a mentalidade de que a estabilidade e o bem do mundo só viria pela dominação americana.
Sou um crítico da filosofia que há por trás desse documento, mas conheço as pessoas que o escreveram e sei que eles acreditam que isso é algo para o bem do mundo. Para eles, isso não é só um disfarce para o interesse americano.

Folha - Muitos críticos têm dito que o documento exprime a essência da arrogância americana. Qual será a reação mundial a ele?
Jervis -
O mundo certamente o lerá como arrogância. Mas pelo menos serve como um alerta. Os países não poderão dizer que não avisamos. Nesse sentido, é um documento raramente honesto.

Folha - A doutrina Bush será duradoura?
Jervis -
Não. Em algum momento haverá um recuo e os EUA devem esgotar a sua capacidade. Não sei se será no Iraque ou na próxima vez, mas vão ultrapassar os seus limites de atuação.
Além disso, o pêndulo da política doméstica americana deve voltar a caminhar. É lógico que o governo gostaria de colocar o país num rumo que futuros presidentes não possam mudar, mas isso não ocorrerá.
Essa é uma proposta de engajamento muito profundo e de longo prazo e não creio que o povo americano tenha estômago para isso. Não somos os romanos, para gerir um Império Romano, nem britânicos para gerir um Império Britânico. Haverá uma forte reação contrária, especialmente se os custos aumentarem. Isso deve levar alguns anos, talvez até a próxima eleição presidencial, talvez mais, mas não creio que vai durar.

Folha - Como o sr. vê o princípio dos ataques preventivos?
Jervis -
Guerras preventivas implicam a idéia de que você pode prever o futuro. Numa conduta prudente dos assuntos de Estado, você não tenta frear todas as coisas terríveis que poderiam ocorrer quando estão distantes e ainda improváveis. O Iraque é claramente controlável e já foi controlado por dez anos. Penso que essa idéia de prevenção é perniciosa.

Folha - Esse conceito pode ameaçar a estabilidade global?
Jervis -
As pessoas que o criaram dirão que ele vai garantir estabilidade, porque, depois que atuarmos contra o Iraque, todos terão de entrar na linha. Acho que estão errados, sobretudo se outros países tentarem emular conceito.


Texto Anterior: Tropa de elite americana se integra à CIA
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.