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Doutrina Bush não dura, diz analista
MARCELO STAROBINAS
DA REDAÇÃO
Apesar dos esforços dos "falcões" da Casa Branca, os EUA não serão capazes de sustentar a "doutrina Bush" por muito tempo. É o que diz o professor americano Robert Jervis, especialista em segurança internacional da Universidade Columbia.
Na semana passada, o presidente George W. Bush divulgou um documento descrevendo os pilares de sua política externa e de segurança. Adotando um tom unilateralista e militarista raramente visto desde o fim da Guerra Fria,
defendeu uma estratégia de ações preventivas contra Estados hostis.
E afirmou que Washington nunca mais permitirá que sua supremacia militar seja desafiada.
"Essa é uma proposta de engajamento profundo e de longo prazo
e não creio que o povo americano
tenha estômago para isso", disse
Jervis à Folha, por telefone. "Não
somos os romanos, para gerir um
Império Romano, nem britânicos
para gerir um Império Britânico."
Folha - Qual a sua impressão geral sobre o documento que tenta
consolidar a doutrina Bush?
Robert Jervis - Ele é interessante
por ser ao mesmo tempo muito
otimista e muito pessimista. É otimista sobre a democracia, os livres mercados, a importância do
indivíduo. É otimista ao dizer que
esses valores estão moldando o
mundo, que são amplamente difundidos e se tornarão ainda mais
difundidos.
É pessimista ao afirmar que a
menos que os EUA hajam com
firmeza, os poderes de destruição
vindos de Estados falidos e de terroristas podem causar grandes
danos. É importante ler o subtexto, que diz que a forma de evitar
os perigos não é por meio de instituições multilaterais ou consulta
aos outros, mas por meio da vontade dos EUA, a única potência do
mundo capaz de agir sozinha.
Folha - Bush diz que não permitirá que a supremacia militar dos
EUA seja desafiada como na Guerra
Fria. Estaria dispostos a atacar países como a China antes que se tornem superpotências?
Jervis - Na verdade, [o subsecretário da Defesa", Paul Wolfowitz,
sempre pensou assim. Ele escreveu isso num texto em 1991. Não
está evidente, porém, a quem isso
seria dirigido. A China está tão
longe [do poderio americano"
que isso seria inimaginável. O
único país que poderia ser um rival seria a Europa, se os países decidissem se unir e gastar muito
em sua defesa -o que não farão.
É interessante que essa declaração esteja dentro do documento,
já que não tem aplicação nenhuma no futuro próximo. Isso revela
a mentalidade de que a estabilidade e o bem do mundo só viria pela
dominação americana.
Sou um crítico da filosofia que
há por trás desse documento, mas
conheço as pessoas que o escreveram e sei que eles acreditam que
isso é algo para o bem do mundo.
Para eles, isso não é só um disfarce para o interesse americano.
Folha - Muitos críticos têm dito
que o documento exprime a essência da arrogância americana. Qual
será a reação mundial a ele?
Jervis - O mundo certamente o
lerá como arrogância. Mas pelo
menos serve como um alerta. Os
países não poderão dizer que não
avisamos. Nesse sentido, é um documento raramente honesto.
Folha - A doutrina Bush será duradoura?
Jervis - Não. Em algum momento haverá um recuo e os EUA devem esgotar a sua capacidade.
Não sei se será no Iraque ou na
próxima vez, mas vão ultrapassar
os seus limites de atuação.
Além disso, o pêndulo da política doméstica americana deve voltar a caminhar. É lógico que o governo gostaria de colocar o país
num rumo que futuros presidentes não possam mudar, mas isso
não ocorrerá.
Essa é uma proposta de engajamento muito profundo e de longo
prazo e não creio que o povo americano tenha estômago para isso.
Não somos os romanos, para gerir um Império Romano, nem
britânicos para gerir um Império
Britânico. Haverá uma forte reação contrária, especialmente se os
custos aumentarem. Isso deve levar alguns anos, talvez até a próxima eleição presidencial, talvez
mais, mas não creio que vai durar.
Folha - Como o sr. vê o princípio
dos ataques preventivos?
Jervis - Guerras preventivas implicam a idéia de que você pode
prever o futuro. Numa conduta
prudente dos assuntos de Estado,
você não tenta frear todas as coisas terríveis que poderiam ocorrer quando estão distantes e ainda
improváveis. O Iraque é claramente controlável e já foi controlado por dez anos. Penso que essa
idéia de prevenção é perniciosa.
Folha - Esse conceito pode ameaçar a estabilidade global?
Jervis - As pessoas que o criaram
dirão que ele vai garantir estabilidade, porque, depois que atuarmos contra o Iraque, todos terão
de entrar na linha. Acho que estão
errados, sobretudo se outros países tentarem emular conceito.
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