São Paulo, sexta-feira, 24 de setembro de 2004

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TRAGÉDIA NO CARIBE

Desabrigados em Gonaives protestam e brigam entre si; brasileiros dizem que ajuda começa a chegar

Fome, sede e desespero crescem no Haiti

RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL AO HAITI

O desespero dos moradores de Gonaives, a cidade haitiana mais atingida pela tempestade tropical Jeanne, atingiu um ponto crítico ontem. Em meio à fome e à sede, os desabrigados realizaram protestos e começaram a brigar entre si. A única clínica que estava em funcionamento -com um único médico- foi invadida.
O número de mortos pelas enchentes chegou a 1.105, das quais 1.013 apenas em Gonaives. Segundo a Defesa Civil, o número poderia passar de 2.000.
Os militares brasileiros que foram a Gonaives, relatam que a população continua sobrevivendo de forma precária, apesar de as águas já terem baixado e de a ajuda humanitária estar chegando de maneira cada vez mais intensa.
Helicópteros da ONU decolavam ontem um atrás do outro levando remédios e comida para a terceira maior cidade do Haiti, com 180 mil habitantes, dos quais cerca até 70% estão desabrigados.
"Os desaparecidos [cerca de 1.200] devem ser os que viviam mais perto do rio que transbordou", disse o major Alexandre Gindri Angonese, que visitou Gonaives junto com o capitão Maurício de Souza Bezerra, que comanda a companhia que destacou 30 homens para a cidade.
O pelotão brasileiro em Gonaives cuida da segurança do heliporto aonde chegam remédios e comida. Um atendente de saúde do pelotão chegou a auxiliar o parto de uma mulher haitiana.
"Há muita gente ainda em cima das lajes das casas", disse Angonese. Haitianos desabrigados reclamam do cheiro dos cadáveres em decomposição. O risco de epidemias ainda é grande.
Médicos argentinos tiveram de fazer varias amputações de vítimas da enchente que sofreram de gangrena. As condições de higiene nos postos de atendimento médico ainda são muito precárias, segundo os militares brasileiros. Os argentinos também sofreram. Sua base chegou a ser alagada: "Chegou a haver mais de um metro d'água na base argentina", segundo Angonese.
Ontem também chegou um avião C-130 venezuelano com medicamentos. Outro C-130, da Forca Aérea Brasileira, também trouxe "kits antienchente" do Ministério da Saúde, com remédios básicos.
A ONU possui apenas oito helicópteros para a sua missão de paz, que estão trabalhando em ritmo intenso. Para levar comida ao local em maior quantidade -a segunda maior necessidade, depois dos medicamentos-, está sendo preparado um comboio de uma dúzia de caminhões da ONU, a serem escoltados por militares brasileiros, neste domingo.
O desastre é particularmente grave para o país porque Gonaives fica em uma área agrícola, onde se produzia muito arroz, uma das bases da dieta haitiana.
Para as operações de emergência e recuperação do país, o Banco Mundial de Desenvolvimento anunciou ontem a doação de US$ 200 mil.


O jornalista Ricardo Bonalume Neto viajou ao Haiti a convite do Ministério da Defesa, em um C-130 da FAB.


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