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TRAGÉDIA NOS EUA
Efeito do furacão sobre pobres provoca cobranças por trabalho social, mas isso pode não ser suficiente
Katrina gera debate sobre ação antipobreza
JILL LAWRENCE
DO "USA TODAY", EM WASHINGTON
O furacão Katrina trouxe os pobres diretamente para dentro das
salas de estar dos americanos. E
então, em meio às imagens de sofrimento e devastação, a agência
de recenseamento dos EUA disse
que a pobreza aumentou no país
pelo quarto ano consecutivo.
Estarão os EUA numa encruzilhada, prestes a passar por uma
mudança dramática de suas prioridades políticas? O Katrina provocou chamados por uma nova
decisão nacional de pôr fim à pobreza, além da esperança de que
isso possa de fato acontecer. Mas é
possível que o público não se deixe mobilizar para tal cruzada.
Dois terços dos participantes de
uma pesquisa "USA TODAY"/
CNN/Gallup feita neste mês afirmaram que o país não está gastando o suficiente para combater
a pobreza. Mas essa opinião não
pode ser atribuída ao Katrina, já
que 69% disseram o mesmo há
mais de um ano, numa pesquisa
da Universidade de Chicago.
O pesquisador republicano
Glen Bolger declarou que as sondagens que fez antes e depois do
Katrina indicam que as prioridades dos eleitores não mudaram.
Indagados sobre o que vai influir
mais sobre seus votos para o Congresso no próximo ano, afirmaram que as questões mais importantes, para eles, são o Iraque, o
terrorismo e o emprego.
Mesmo supondo que o público
dê apoio a uma guerra nacional
contra a pobreza, muitos analistas
dizem que é pouco provável que
ela aconteça. Uma das razões disso é o custo da recuperação da
costa do golfo do México, somado
ao custo da Guerra do Iraque e à
campanha de George W. Bush
por mais cortes nos impostos.
"Sim, é verdade que o Katrina
chamou a atenção para a pobreza", disse Sheila Zedlewski, diretora do Centro de Políticas de
Renda e Benefícios do Instituto
Urbano. "Mas temos um problema que compete com esse: a questão do déficit federal", previsto
em US$ 333 bilhões neste ano.
Outro problema é a divergência
persistente entre liberais e conservadores no que diz respeito a como combater a pobreza. Mais
programas governamentais, ou
mais trabalho de igrejas? Ajuda
direta ou redução nos impostos?
"Todos nós queremos resolver
o problema da pobreza", afirma
Donald Devine, vice-presidente
da União Conservadora Americana. "A questão é: vamos fazê-lo
como foi feito em 1932, ou será
que aprendemos alguma coisa
desde então?"
Para alguns democratas, o New
Deal é um exemplo nada mau.
Nesta semana, o ex-indicado à
candidatura de vice-presidente
John Edwards, diretor do Centro
de Pobreza, Trabalho e Oportunidades da Universidade da Carolina do Norte, elogiou três programas da era da Grande Depressão e
propôs um programa de geração
de empregos para a costa do golfo
do México. O senador democrata
Edward Kennedy, do Estado do
Massachussetts, propõe a criação
de uma Autoridade para a Reconstrução da Costa do Golfo, seguindo o exemplo da Autoridade
do Vale do Tennessee.
O plano de Bush inclui incentivos fiscais para empresas, vales
que ajudem pais deslocados em
função da catástrofe a pagar escolas particulares e paroquiais para
seus filhos, o abrandamento dos
regulamentos ambientais e a suspensão da exigência de que as empresas contratadas pelo governo
federal para realizar obras na região paguem a seus contratados
os salários locais vigentes. Todas
essas medidas integram a pauta
republicana constante.
Os chamados por um esforço
mais amplo de combate à pobreza
estão vindo de diversos setores. A
primeira-dama Laura Bush disse
à Associated Press que espera que
o Katrina ajude o país a reagir "de
maneiras diferentes" à pobreza e
aos problemas raciais. "Grande
parcela de nossa população provavelmente não faz idéia de como
são realmente os centros urbanos
pobres", declarou ela, na terça.
A maioria dos que pedem uma
ação em base ampla é formada
por democratas ou religiosos.
"Não podemos mais ser uma nação que ignora os pobres e sofredores", disse o pastor T.D. Jakes,
de uma megaigreja de Dallas, durante uma cerimônia em memória das vítimas do Katrina.
John Edwards, o senador do Illinois Barack Obama e o senador
do Massachusetts John Kerry estão entre os democratas que querem fazer do Katrina um momento divisor de águas. "Será que vamos nos contentar em cuidar apenas do imediato -prestar assistência às vítimas e reconstruir a
cidade?" indagou Kerry, que foi o
candidato presidencial democrata nas eleições de 2004, em discurso proferido na última segunda
na Universidade Brown. "Ou vamos nos inspirar para enfrentar a
injustiça social que levou tantos
dos menos afortunados a ter que
ficar aguardando sobre os telhados, rezando por ajuda?"
Charlie Cook, editor de um relatório político não partidário, afirmou que os republicanos "precisam abrandar algumas de suas
posições, para não correr o risco
de perder suas maiorias" na Câmara dos Deputados e no Senado.
Para ele, o Partido Republicano
mostraria inteligência se falasse
num combate amplo à pobreza.
Existem medidas que podem
diminuir a distância entre os partidos? Rich Lowry, editor da conservadora "National Review", sugere "um grande acordo entre direita e esquerda", pelo qual os liberais concentrassem sua ação na
prevenção dos nascimentos ilegítimos e os conservadores promovessem o aumento dos gastos
com a população urbana.
Sheila Zedlewski diz que o Katrina trouxe à tona o fato de que a
rede de proteção social está fragmentada, com muitos programas
e conjuntos de regras separados.
Para ela, é tão difícil navegar nessa
rede que é possível que ambos os
partidos sejam a favor de seu enxugamento. "Ambos os partidos
gostariam de ver esse sistema de
apoio funcionar melhor do que
funciona hoje", avaliou ela.
Consequências assim seriam
modestas comparadas ao incêndio da fábrica Triangle Shirtwaist,
em 1911, que levou à adoção de reformas nos locais de trabalho e ao
surgimento do movimento sindical moderno, sem falar na enchente do rio Mississippi de 1927,
que gerou uma reação do governo
que antecipou o New Deal.
Mas alguns líderes acham que
mesmo uma discussão sem resultados imediatos seria melhor do
que o silêncio do período anterior
ao Katrina. Para o prefeito de Los
Angeles, Antonio Villaraigosa,
sua cidade tem o maior índice de
pobreza do país. Ele diz: "Fico espantado com a pouca atenção dada pelo Congresso à questão da
pobreza. O furacão Katrina representa uma oportunidade para trazermos à tona essa discussão."
Tradução de Clara Allain
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