São Paulo, domingo, 24 de setembro de 2006

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Sistema de casta poda avanços na Índia

Enquanto economia floresce e hábitos culturais mudam, tradição de cerca de 3.000 anos ainda rege sociedade e costumes

Anúncios matrimoniais nos jornais, uma instituição no país, sintetizam teia social e seu funcionamento; noivos são escolhidos pela família

CLÁUDIA TREVISAN
ENVIADA ESPECIAL A MUMBAI

A Índia embarcou na globalização, se destaca no setor tecnológico, tem um número espantoso de PhDs, mas continua a organizar sua sociedade em torno de castas, que regulam desde o casamento até o tipo de pessoas que podem ser convidadas para o mesmo jantar.
Os anúncios matrimoniais são uma instituição dos grandes jornais indianos e refletem a sobrevivência da tradição em meio à transformação econômica: são divididos por castas e costumam ser publicados pelos pais dos noivos, que continuam a cumprir o papel de arranjar as uniões de seus filhos.
"O casamento é uma transação entre as famílias e é considerado algo extremamente importante", afirma Radhika Chopra, professora do departamento de sociologia da Universidade de Déli. Quem viu o filme "Casamento Indiano", de Mira Nair, sabe que não há exagero na afirmação.
Apesar de alguns dos anúncios trazerem a ressalva de que casta não é impedimento, Radhika diz que são raros os casos de uniões de pessoas de castas diferentes ou muito distantes em termos de status.
Entre os anúncios publicados no dia 3 de setembro no "Hindustan Times", está um que condensa os critérios que pautam o casamento indiano: "Respeitável família brâmane, de alto status, procura aliança para sua filha -bonita, inteligente e educada de acordo com valores da família indiana".
Depois de dizer que a candidata é formada em economia e possui pós-graduação em comunicação de massas, o anúncio ressalta que o pai é uma "celebridade internacional" do críquete, jogo popular na Índia. Quanto aos requisitos do noivo, ele também deve ser da casta brâmane, além de bem estabelecido, culto e de uma família de empresários.

Sem-castas
A discriminação com base em castas foi abolida pela Constituição promulgada na Índia depois da independência do Reino Unido, em 1947.
Mas a instituição continua sólida e é um dos principais fatores da baixa mobilidade social do país. Vinculado ao hinduísmo, religião praticada por 85% dos indianos, o sistema de casta tem uma história de 3.000 anos e resiste às tentativas oficiais de extingui-lo.
Em sua origem, ele tinha quatro categorias, de acordo com a função exercida por cada um na sociedade.
No topo da pirâmide estavam os brâmanes, que eram sacerdotes ou intelectuais, criados a partir da boca do deus Brahma, segundo a mitologia hindu. Dos braços saíram os guerreiros e governantes, chamados de xátrias. Comerciantes e agricultores, os vaixás foram criados a partir das coxas de Brahma. Por fim, dos pés nasceram os sudras, responsáveis pelo trabalho manual. Mais tarde surgiu uma quinta categoria, os "intocáveis", que passaram a desempenhar as tarefas impuras. Esse grupo e os integrantes de uma série de tribos indianas também são chamados de "sem-castas" e formam cerca de 24% da população do país, o equivalente a 240 milhões de pessoas.
O governo tem um sistema de cotas que garante a presença dos "sem-castas" no serviço público e nas universidades. Nos Institutos Indianos de Administração (IIMs), por exemplo, 22,5% das vagas devem ser destinadas a esse grupo. Ao sair da universidade, no entanto, os "sem-castas" recebem salários inferiores aos de castas mais altas, segundo estudo divulgado neste mês pela empresa de pesquisa e consultoria Cfore, de Nova Déli.
O levantamento indica que os "sem-castas" que estudaram nos IIMs ganham 20% menos que a média salarial dos formados nessas instituições.

Compensação financeira
Outro programa oficial é a recompensa financeira para os que casarem com pessoas de classes inferiores. No início de setembro, a ministra de Justiça Social, Meira Kumar, anunciou o aumento da compensação para US$ 1.100, metade dos quais deve ser pago pelo Estado onde ocorre a união.
"Se alguém quebra o padrão e casa fora de sua casta, nós queremos lhe dar dinheiro como uma forma de demonstrar nossa aprovação. Queremos transformá-los em um exemplo a ser seguido por outros", declarou Kumar no anúncio da medida.
Mas o incentivo monetário pode não ser suficiente para quebrar a resistência da sociedade indiana às uniões entre castas, especialmente nos Estados mais rurais. O site indianews.com publicou no dia 13 de maio reportagem na qual relata o drama de um homem e uma mulher de altas castas que se uniram a cônjuges de castas inferiores.
Ambos pediram proteção das autoridades por estarem ameaçados de morte por membros de suas castas inconformados com seus casamentos. As quatro castas originais da Índia se dividiram em várias subcastas, e outras classificações surgiram ao longo do tempo, formando um complexo sistema hierárquico em torno do qual a sociedade se organiza.
As castas regulam vários aspectos da vida cotidiana, entre os quais a comida e as tarefas que cada um pode executar. Um brâmane por exemplo, não pode comer refeições preparadas por alguém de castas inferiores, nem sentar-se com um "sem casta" para jantar.


A jornalista CLÁUDIA TREVISAN viajou a convite do governo indiano


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