São Paulo, domingo, 24 de setembro de 2006

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Rei é peça-chave em golpe na Tailândia

Adrees Latif/21.set.2006/Reuters
Militar patrulha Bancoc diante de foto do rei, que é protegido por leis severas de lesa-majestade


Apesar de não expor sua atuação, Bhumibol, venerado no país, demonstrava insatisfação com o premiê desde 2001

General golpista chegou a afirmar neste ano que o monarca estava preocupado com a situação política e que faria o que ele quisesse

AMY KAZMIN
DO "FINANCIAL TIMES"

Como cabe a um monarca que é visto como semideus, o rei Bhumibol Adulyadej, 78, da Tailândia, freqüentemente se comunica por meio de parábolas, histórias e sinais e espera que seus súditos captem a mensagem que quer transmitir.
Mas não havia como confundir o significado do pronunciamento que fez no seu aniversário em dezembro de 2001. O discurso ocorreu um ano depois de o bilionário magnata das telecomunicações Thaksin Shinawatra chegar ao poder com maioria eleitoral sem precedentes. O novo líder persuadira os eleitores de que representava um salvador para o país, que ainda oscilava após as humilhações da crise financeira asiática, e que só sua orientação poderia conduzir os tailandeses a um futuro glorioso.
Na pronunciamento na TV, o rei, na presença do gabinete de governo, alertou que a Tailândia escorregava para o desastre, por arrogância, egoísmo, conflitos e duplicidade dos seus líderes. Para não restar dúvida quanto ao alvo, acrescentou: "Percebo o olhar de insatisfação do primeiro-ministro. Ele talvez não tenha idéia do que fazer porque parece não haver progresso em parte alguma.
Por isso, muitos consideram que o país está em estado de desastre, e não de prosperidade". Shinawatra, intolerante a críticas, ainda ostenta expressão insatisfeita, mas agora em Londres, onde se refugiou após um golpe militar sem resistência tirá-lo do poder na última terça.
Muitos tailandeses vêem a interferência do rei nos eventos que encerraram meses de conflitos políticos em torno de Shinawatra. Bhumibol, monarca constitucional que deve se manter acima da política, guardou silêncio sobre o golpe -o que não surpreende, dada a raridade de suas aparições públicas nos últimos anos, devido a problemas de saúde. Mas o general Sonthi Boonyaratkalin, o primeiro comandante muçulmano na história do Exército da Tailândia, um país de maioria budista, é dedicado entusiasta da monarquia, e sabe-se que ele mantém um relacionamento estreito com o general reformado Prem Tinsulanonda, presidente do conselho privado real. Ainda que Boonyaratkalin tenha insistido em que a idéia do golpe foi dele, muitos consideram difícil acreditar que um militar tão respeitado tenha agido sem ao menos a aprovação tácita do palácio.

Paradoxo
A percepção de que o golpe contou com o endosso do rei pode ajudar a explicar um aparente paradoxo: embora muitos continuem a gostar de Shinawatra e possivelmente votassem nele se tivessem a chance, aprovam a intervenção militar no processo político, um apoio que reflete, ao menos em parte, a fé que depositam em seu rei.
Bhumibol Adulyadej, cujo nome quer dizer força da terra, poder incomparável, nasceu em 1927, em Boston (EUA), onde seu pai, o príncipe Mahidol, conheceu sua mãe, que não era da aristocracia, enquanto ambos estudavam em Harvard.
Bhumibol estudou em Lausanne (Suíça), onde sua mãe, já viúva, se radicara para proteger a família após uma revolta que pôs fim à monarquia absolutista na Tailândia, em 1932. O jovem Bhumibol ascendeu ao trono em junho de 1946, aos 18 anos, após a misteriosa morte de seu irmão mais velho, Ananda, vítima de um atentado a tiros. A monarquia que herdou era uma instituição fraca.
Mas por meio de trabalho árduo, visitas incansáveis às regiões rurais negligenciadas e exercício das virtudes pessoais, ele acumulou tanta boa vontade com a opinião pública que hoje os raros pronunciamentos que faz são encarados literalmente como comandos reais. No 60º aniversário de coroação, em junho, uma de suas raras aparições públicas atraiu 1 milhão de pessoas, muitas derramando lágrimas ao contemplá-lo. O rei representa uma mescla de tradição e modernidade que agrada à população, já que o país, em transformação econômica, também busca preservar sua cultura. Fã do jazz e, na juventude, velejador, ele também é adepto de rituais religiosos e se define como um dhammaraja budista, o rei generoso que segue um complexo código moral.
Leis severas contra crimes de lesa-majestade, que tornam ofender a dignidade do monarca delito passível de até 15 anos de prisão, protegeram o rei de qualquer investigação pública e impediram o debate público sobre o papel institucional da monarquia em uma sociedade democrática.

18 golpes no reinado
O reinado de Bhumibol teve 18 golpes militares, 15 Constituições e 21 premiês, mas ele usou seu prestígio com parcimônia, limitando-se a intervir, pelo menos de forma pública, nos momentos de crise.
Para muitos tailandeses, Shinawatra jamais teve respeito suficiente pelo rei, ofensa imperdoável aos olhos deles. "Sua Majestade pedia ao governo que agisse com moderação, mas os conselhos não foram acatados", diz Kasit Pyromia, ex-embaixador nos EUA.
Nos últimos meses, o rei seguiu de perto as cisões expostas pela polêmica venda da participação dos Shinawatra na Shin Corp., o império de telecomunicações que controlavam, dando US$ 1,9 bilhão em ganhos não-tributáveis ao premiê e sua família. Ainda que tenha rejeitado os apelos da classe média de Bancoc para definir o substituto de Shinawatra, o rei classificou a eleição de abril, boicotada pela oposição, de "não democrática", o que levou a Justiça a anulá-la.
Mas, por volta de maio, o general Boonyaratkalin revelou que o rei estava muito preocupado com o impasse político. "Como soldado de Sua Majestade, gostaria de ajudá-lo a aliviar suas preocupações", disse, na ocasião. "O Exército seguirá a orientação que ele nos der."
Tradução de PAULO MIGLIACCI


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