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Onda xenófoba volta a assombrar a Rússia um século depois
Assassinatos têm como alvo caucasianos, centro-asiáticos e ciganos; neonazistas incitam ataques e, para sociólogo, país virou o mais xenófobo na Europa
MARIE JÉGO
DO "LE MONDE"
Estão de volta na Rússia os
pogroms, ataques contra membros de uma etnia dada, acompanhados de violência e às vezes assassinatos, que foram comuns no país entre 1880 e 1921.
Nessa época, os pogroms tinham como alvos os judeus.
Hoje, estão na mira caucasianos, imigrantes da Ásia central,
asiáticos e ciganos. Até a primavera deste ano, os assassinatos
de pessoas de aspecto "não eslavo" -33 nos nove primeiros
meses de 2006- representavam a expressão cotidiana da
xenofobia na Rússia. Mas a situação vem descrevendo uma
virada mais inquietante.
Em maio, na cidade de Kharagun (região de Tchita), os
choques étnicos opuseram russos e azerbaijanos, com saldo
de um morto. Um mês mais tarde, no povoado de Targuis (região de Irkutsk), um pogrom
contra chineses terminou com
a expulsão de 75 deles.
O ódio se difunde em todo o
território da Federação Russa,
onde convivem 50 nacionalidades e 17 milhões de imigrantes.
"A intolerância étnica, o medo
dos imigrantes e o ódio aumentaram tanto desde o início da
segunda guerra da Tchetchênia, em 1999, que a Rússia se
tornou o país mais xenófobo da
Europa", diz o sociólogo Lev
Gudko.
Entre 31 de agosto e 4 de setembro um verdadeiro festival
de ódio contra os caucasianos
explodiu em Kondopoga, uma
pequena cidade industrial próxima da fronteira com a Finlândia. Durante cinco dias, uma
multidão descontrolada atacou
as propriedades dos "tchiornye" (os "morenos"), investindo
contra quitandas, oficinas mecânicas e carros, atirando pedras e coquetéis Molotov e exigindo sua "deportação".
Tudo começou em Kondopoga com uma briga entre russos
e caucasianos no café-restaurante Tchaika, cujo proprietário é azerbaijano. Na noite de
29 de agosto, um grupo de jovens russos brigou com o garçom de origem caucasiana e seu
patrão. Partiu-se para o enfrentamento físico. Os dois caucasianos chamaram "conterrâneos" para vir socorrê-los.
Alertada, a polícia evitou intervir. Na briga, que degenerou em
pancadaria, dois jovens russos
foram mortos com armas brancas.
Dois dias mais tarde, 2.000
pessoas se reuniram no centro
de Kondopoga. "Morenos mataram gente nossa!" gritava a
multidão. O clima foi atiçado
por uma organização ultranacionalista, o Movimento Contra a Imigração Ilegal (DPNI).
Vindos de Moscou e São Petersburgo, os militantes do grupúsculo xenófobo pró-eslavo
organizaram a manifestação,
com apoio de neonazistas. Sua
proposta consiste em "limpar a
Rússia" dos "tchiornye", dar
prioridade aos russos étnicos e
expulsar os ilegais "em 24 horas". Em pânico, 200 caucasianos abandonaram o local.
A imprensa, os políticos e os
ultranacionalistas em pouco
tempo passaram a fazer a mesma análise dos acontecimentos. Se a situação saiu do controle em Kondopoga, não foi
devido à intolerância étnica.
Tratam-se de "problemas sociais", dizem. Os caucasianos
escarnecem da população russa, "ostentam riqueza" -sem
falar de seus "esquemas mafiosos".
Em cinco dias de loucura em
Kondopoga, nenhuma autoridade, nenhum político, nenhum intelectual ou artista
considerou apropriado condenar o pogrom. Uma dúvida permanece: será que o pogrom em
Kondopoga teria assumido dimensões tão grandes sem a ingerência dos ultranacionalistas
e dos neonazistas?
Segundo o cientista político
Marc Ournov, "organizações
como o DPNI não poderiam
existir sem contar com o apoio
de uma parte da elite política
russa. No interior desta, as opiniões divergem, mas alguns de
seus membros pensam que esse tipo de organização é útil para o poder".
As organizações ultranacionalistas e neonazistas -União
Eslava, Unidade Nacional Russa, Partido Nacional-Socialista- vêm ganhando força nos
últimos seis anos. Elas gozam
na Rússia de uma liberdade que
pode ser motivo de inveja para
muitas ONGs, submetidas a
pressões burocráticas intensas
desde que foi aprovada uma lei
sobre seus estatutos.
Fascismo na moda
A se acreditar na imprensa,
hoje, na Rússia, "o fascismo está na moda". Em uma edição
recente, a versão russa da
"Newsweek" revelou a existência de uma "cultura fascista
subterrânea", que encontra expressão em, entre outros, Tesak (o Navalha), um jovem diretor de clipes violentos.
Não é estranho que as idéias
do nacional-socialismo encontrem eco no país que pagou o
preço mais pesado -27 milhões de mortos- pela luta
contra o nazismo? "Muitos não
vêem essas idéias como sendo
nazistas, e, para muitos outros,
Hitler não fez nada de mal exceto ter atacado a URSS", explica Alexandre Verkhovski, da
ONG Sova, especializada na
análise da xenofobia crescente.
Tradução de CLARA ALLAIN
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