São Paulo, terça-feira, 24 de outubro de 2006

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ANÁLISE

As lições de 1956 para a Europa DO "INDEPENDENT"

Cinquenta anos se passaram, e duas gerações e meia já cresceram sem a memória da revolta húngara de 1956. No entanto, a rebelião permanece como um dos capítulos emblemáticos da Guerra Fria -um desafio heróico ao domínio soviético, um gesto cujo fracasso selou a divisão da Europa por outros 30 anos e expôs cruelmente os limites do poder ocidental.
A recusa do espírito humano em tolerar a tirania talvez seja a lição mais enaltecedora a ser tirada do levante húngaro. Mas, quando se conta com o benefício da visão retrospectiva, percebe-se que existem várias outras também.
Para começar, as revoltas que abalaram o império soviético se originaram nos próprios países envolvidos -não foram fomentadas desde fora deles. Quando o Muro de Berlim foi derrubado, a democracia já estava presente nos países da Europa do leste e central.
A segunda lição é que, embora a rebelião húngara tenha tido raízes nativas, uma das causas de seu fracasso foi a falta de apoio ocidental. Ou o Leste ou o Ocidente teriam que fraquejar, e foi o Ocidente quem o fez primeiro. Houve palavras de incentivo aos húngaros e a seus ideais, mas não se viu nenhuma disposição em infringir o acordo fechado em Yalta.
Quanto ao Reino Unido e à França, estavam ocupados com outro problema: a aventura desesperada à qual hoje se faz referência com uma palavra só, "Suez" [a ofensiva franco-britânica que tentou retomar o controle do canal, nacionalizado pelo egípcio Gamal Abdel Nasser].
Está claro hoje que o mundo colonial do qual Reino Unido e França não queriam -em vão- se desfazer já era coisa do passado, enquanto o futuro estava numa Europa não dividida.
A quarta lição é que, embora uma força militar não seja capaz de conquistar corações e mentes, ela pode, infelizmente, subjugar com bastante eficácia. Foi apenas quando a União Soviética se encontrava em fase de decadência terminal, com um líder novo que se mostrou avesso a derrubar sangue para preservar seu império, que a liberdade finalmente se tornou alcançável. Pelo fato de ter aberto unilateralmente sua fronteira com o Ocidente, a Hungria foi a primeira a alcançar essa liberdade.
Há uma quinta lição -quase uma nota de rodapé- que diz respeito a migração e compaixão. Depois do fracasso da rebelião, cerca de 200 mil húngaros encontraram refúgio fora de seu país, muitos deles nos EUA e no Reino Unido. Lhes demos as boas-vindas com consciência um pouco pesada, e eles têm sido motivo de orgulho para seus países de adoção.
Meio século atrás, teria sido inconcebível que a Hungria hoje fizesse parte de uma União Européia de 25 países, uma Europa quase sem fronteiras. E a rapidez com que a Cortina de Ferro se abriu deve deixar à sombra qualquer dificuldade que possam estar enfrentando a Hungria ou qualquer outro país recém-chegado à UE.
Mas foi irônico o fato de que ontem, enquanto começavam as comemorações oficiais da rebelião, houve confrontos entre a polícia e uma nova geração de manifestantes perto do prédio do Parlamento em Budapeste. Os manifestantes gritavam sua fúria contra o governo de Ferenc Gyurcsany, que foi líder da Juventude Comunista no passado. As cenas não foram bonitas, mas não se tratava da história se repetindo. Em 1956, a Hungria sofreu uma tragédia nacional; hoje, 50 anos depois, as manifestações não passam de dores do crescimento da democracia.


TRADUÇÃO DE CLARA ALLAIN


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