São Paulo, domingo, 24 de novembro de 2002

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REINO UNIDO

Quem viu a performance de professor alemão em Londres se disse fascinado; para associação médica, foi sensacionalismo

Necropsia pública perturba britânicos

JANE WADELLA
DA ASSOCIATED PRESS, EM LONDRES

Arte, educação, sensacionalismo ou pura e simples ilegalidade?
Ainda não há um o "veredicto" sobre a primeira necropsia pública realizada no Reino Unido em mais de 170 anos, conduzida no último dia 20 por um médico alemão, que cobrou 12 libras (R$ 107) por pessoa para quem foi assistir ao evento, realizado numa galeria de arte de Londres.
Gunther von Hagens desafiou avisos governamentais de que não possuía os alvarás necessários, fazendo a autópsia perante câmeras de TV e 500 pessoas que lotaram o recinto.
A necropsia teve lugar na mesma galeria londrina onde a exposição "Body Worlds" (mundos corpóreos), de cadáveres humanos conservados, também de responsabilidade de Von Hagens, já tinha provocado polêmica.
A polícia informou que está preparando um dossiê sobre o evento e que irá submetê-lo à análise de promotores. Caberá à Promotoria britânica decidir se formulará acusações criminais.
Dois agentes da Scotland Yard assistiram à operação. O procedimento foi acompanhado também por dois professores de anatomia.
A emissora Channel 4 colocou no ar uma versão editada da necropsia, realizada no corpo de um alemão de 72 anos. Para Von Hagens, que afirmou querer promover a entrada do público no mundo da medicina, a operação foi um sucesso. A Associação Médica Britânica, entretanto, a considerou "degradante e desrespeitosa".
Von Hagens começou avisando aos presentes -entre os quais um grande número de jornalistas e de admiradores dele- que deveriam desviar o olhar se achassem necessário. Em seguida, cortou o peito do cadáver deitado sobre uma maca metálica e abriu o esterno com as duas mãos.
Nas três horas seguintes, ele reduziu o corpo do homem anônimo -descrito como fumante e grande consumidor álcool- a uma pilha de órgãos e a uma outra pilha de pele esvaziada.
Usando avental cirúrgico azul e o chapéu de feltro preto que é sua marca registrada, Von Hagens foi descrevendo o processo ao público. Pouco depois de os órgãos terem sido recolocados dentro do corpo, Von Hagens deixou o recinto para conceder uma entrevista ao vivo à TV -na qual ele insistiu que não é artista de circo.
O diretor do Comitê de Ética da Associação Médica Britânica, Michael Wilkes, disse que esperava que a experiência não se repetisse.
"Algumas pessoas podem ter achado valioso como entretenimento, e talvez a operação tenha tido algum valor educativo também, mas foi sobretudo um evento sensacionalista. Na minha opinião, o aspecto educativo limitado não justifica a maneira degradante e desrespeitosa com que foi conduzido", disse Wilkes, depois de assistir ao evento.
O professor afirmou que tinha a autorização da família do morto e uma base legal válida para conduzir a necropsia. "A categoria médica às vezes trata o público com certo desdém e não explica os procedimentos que são feitos", disse Van Hagens.

Aula de anatomia
Na maior parte do procedimento a platéia se manteve em silêncio, mas houve várias perguntas. Uma cópia da tela de Rembrandt "A Aula de Anatomia do Dr. Nicholas Tulp", de 1632, estava pendurada na parede atrás deles.
Os dois patologistas convidados concluíram que o morto, que doara seu corpo para a exposição antes de morrer, em março, teve parada cardíaca provocada pelo fumo e pelo consumo de álcool.
A platéia foi diminuindo ao longo do procedimento, mas as pessoas que ficaram até o final disseram que a acharam informativa. "Achei fascinante", disse a contadora Louise Cotton, 40.
As necropsias públicas se tornaram populares na Europa no século 16, quando a Igreja Católica autorizou a dissecação para ajudar na compreensão do "milagre da Criação". Elas foram proibidas no Reino Unido em 1832, para impedir o roubo de corpos.


Tradução de Clara Allain


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