São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

No Brasil, Medvedev tenta driblar crise

Em momento delicado para Moscou, presidente russo desembarca hoje no Rio dentro de viagem que inclui Cuba e Venezuela

Kremlin visa estreitar laços na antiga área de influência dos EUA, mas esbarra em queda do preço do petróleo e em atritos com ex-rivais


IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, desembarca hoje à noite no Rio para a segunda etapa de um giro latino-americano no qual pretende vender a nova dimensão estratégica de seu país.
Embora Medvedev (pronúncia aproximada: "midviêdef)" esteja efetivamente brincando no quintal geopolítico dos Estados Unidos, promovendo sua aliança com a antiamericana Venezuela e tentando fortalecer laços com o Brasil, a quantidade de problemas recentes em casa tirou um pouco da desenvoltura dos russos.
No Brasil, assinará acordos de cooperação e tentará engatilhar vendas de armas, algo difícil (leia texto ao lado).
O cenário inicial era favorável ao Kremlin. Medvedev chega em um momento em que seu país humilhou o Ocidente na guerra de agosto com a Geórgia. Moscou só não ocupou todo o pequeno país para poder garantir uma volta rápida da Europa à mesa de negociações -o que já ocorreu.
Ontem, em seu segundo dia de viagem, lembrou de suas "diferenças" ao encontrar-se com o colega americano George W. Bush na cúpula de países da Ásia e do Pacífico em Lima, Peru. "A despeito da existência de pontos em que nós divergimos pesadamente, nós temos trabalhado bem e vamos continuar esse trabalho", disse o russo, que ainda tirou uma casquinha do presidente que deixa o cargo em janeiro: "Ficaremos felizes em recebê-lo na Rússia". Um assessor ainda sugeriu: "Ele pode ir pescar", disse Sergei Prikhodko a agências de notícias.

Agenda de crise
Só que será com Barack Obama, e não Bush, com quem Medvedev e seu líder político, o premiê Vladimir Putin, irão negociar a partir de 2009. E a agenda é extensa, incluindo Geórgia, o sistema antimísseis que os EUA querem instalar na Europa, terrorismo, expansão da Otan, entre outros.
Os problemas para Medvedev não param aí. Todo o ressurgimento geopolítico da Rússia nos oito anos de governo Putin foi lastreado no apetite mundial por hidrocarbonetos. Com o barril de petróleo na casa dos US$ 50 e uma recessão mundial em desenvolvimento, os dólares para financiar as aventuras russas ficam comprometidos. Além disso, o mercado de ações e o sistema bancário do país estão sofrendo pesadamente com a vertente financeira da crise global.
Por isso, cabe especial atenção à terceira perna da viagem de Medvedev, Caracas. Lá, o presidente Hugo Chávez assinará acordos energéticos com os russos sentindo o peso do mesmo problema, a queda no preço do petróleo que lhe garante coisas como compras de US$ 5 bilhões desde 2005 em armamentos da Rússia. É de se esperar que ambos adotem a cautela retórica sobre Washington, à espera de Obama.
Isso não muda dois fatos que são vistos com preocupação nos meios militares americanos. Primeiro: depois de exercícios com dois bombardeiros estratégicos usando bases venezuelanas, uma frota naval russa fará exercícios com navios de Chávez no Caribe -o venezuelano anunciou que a esquadra chegaria já ontem ou hoje.
Segundo: na etapa final do giro, Medvedev irá ao antigo satélite de Cuba, onde pretende estabelecer uma nova cooperação militar -interrompida com o fim da União Soviética em 1991. Há rumores de que bases cubanas possam servir de apoio logístico à aviação de longo alcance russa, embora alguns analistas duvidem da real capacidade operacional de Moscou.
Com uma agenda de crise, o giro de Medvedev não terá o brilho esperado em Moscou, mas nem tampouco pode ser descartado do ponto de vista de novidade geopolítica.


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Rússia busca ampliar venda militar ao Brasil
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.