São Paulo, quarta-feira, 24 de novembro de 2010

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"Sofri tortura branca no Irã", diz jornalista

Em debate na Folha, iraniano-americana Roxana Saberi, 33, relatou pressões para confessar ser espiã dos EUA

Segundo a jornalista, restrições começaram a aumentar com a eleição de Ahmadinejad para a Presidência, em 2005
DE SÃO PAULO

A jornalista iraniano-americana Roxana Saberi, 33, presa por cerca de cem dias pelo Irã no ano passado, disse que sofreu "tortura branca" para assinar confissão de que espionava para os EUA.
Ela afirmou ter sido submetida a isolamento, intimidação e ameaças para admitir culpa. Na sala de interrogatório da prisão de Evin, onde ficou, as paredes eram revestidas para que os presos pudessem ser atirados contra ela sem ficarem marcados.
Saberi participou de debate anteontem na Folha mediado pela repórter especial Claudia Antunes e que teve a participação de Raul Juste Lores, editor de Mercado, e de Iradj Roberto Eghrari, ativista de direitos humanos.
A jornalista, que chegou a ser condenada a oito anos de prisão, mas foi solta após intensa pressão internacional, veio para o Brasil para lançar seu livro "Entre Dois Mundos" (editora Larousse), no qual relata a sua história.
A ex-miss Dakota do Norte é nascida nos EUA e filha de pai iraniano e mãe japonesa, com mestrado em jornalismo e relações internacionais. Foi morar no Irã em 2003, onde esteve até o ano passado.

IDA PARA O IRÃ
Quando cresci, comecei a me interessar mais pelo país do meu pai. Eu não falava farsi, não conhecia a cultura iraniana e estudava para ser jornalista. Então decidi descobrir que oportunidades haveria para mim no Irã.
Em 2003, me mudei para o Irã para trabalhar como correspondente de diversos veículos estrangeiros, entre os quais a [TV britânica] BBC e a rádio pública americana.
Conheci muitas pessoas, viajei muito e vi regiões bastante ricas e outras muito pobres, como a fronteira entre Paquistão e Afeganistão, que é rota de tráfico de drogas.

MAIS RESTRIÇÕES
Em 2005, quando [o ex-presidente Mohammad] Khatami saiu e o presidente Mahmoud Ahmadinejad foi eleito, começou a haver mais restrições e já não tinha tanta liberdade para eu trabalhar.
Então pensei que talvez fosse uma oportunidade para escrever um livro sobre o Irã. Comecei a entrevistar as pessoas. Minha ideia era que os estrangeiros vissem o Irã além de manchetes de jornal.

PRISÃO
Em 2009, eu estava pronta para sair do país e partir para o próximo capítulo da minha vida quando tudo mudou. O meu mundo virou de cabeça pra baixo. Quatro homens foram até a minha casa. Eles eram agentes de inteligência.
Me prenderam e diziam que o livro que eu estava escrevendo sobre o Irã era um disfarce para a espionagem dos EUA. Disseram que eu era uma espiã, que não tinha nenhuma forma de entrevistar tanta gente para um livro.
"Não, não sou espiã. Eu estava escrevendo um livro, e no computador você vai ver que estou usando essas entrevistas para o livro", disse.
Ele falou: "Você não está cooperando, o que é muito ruim. Vamos ter de levá-la para a prisão". Fui para a prisão de Evin, onde estavam muitos jornalistas, blogueiros, ativistas e ainda figuras da oposição e reformistas.

CONFISSÃO
Fui vendada até ser levada a esse lugar. Não sabia que a seção era chamada de 209, destinada a presos políticos.
No dia seguinte, tive de passar por interrogatórios. Tive de seguir os sapatos de um interrogador, caso contrário eu poderia cair. Ele então me levou para uma sala.
Quando levantei a cabeça, vi que a parede estava coberta, para que os interrogadores batessem a cabeça [dos presos] contra a parede. Para doer, mas não causar dano irreparável. É coberta por couro, mas dava pra ouvir os prisioneiros gritando e chorando. Eu ouvia outros presos.
Então cedi à pressão. Deveria ser forte e corajosa, porém estava com medo. O medo tomou conta de mim. Foi o meu principal sentimento.

ATENÇÃO EXTERNA
Tive sorte porque havia canais iranianos nos EUA que começaram a falar de minha história. Os oficiais iranianos são muitos sensíveis a isso.
Também tive sorte, porque pessoas comuns, não só nos EUA mas também no Japão e na União Europeia, pressionaram o Irã. Vi como é importante atenção internacional. Essa pressão levou à libertação [após cem dias].


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